No dia primeiro de agosto deste ano, realizei uma live, pelo Instagram do Infoteatro, com o diretor Zé Henrique de Paula – e que live! Ficamos mais de uma hora e meia conversando sobre sua carreira e sobre o teatro nos dias de hoje. Amei ter tido a oportunidade de conversar com o diretor, que tem se mostrado essencial na trajetória do teatro nacional.
Formado em arquitetura, Zé Henrique de Paula é diretor, ator, dramaturgo, cenógrafo, figurinista e diretor artístico do Núcleo Experimental. A primeira peça que dirigiu, ainda na escola, foi Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues. À época, Zé Henrique tinha somente 15 anos, mas pressuponho que, ali, já tenha sido o início de uma belíssima carreira teatral.
Atualmente, está em cartaz, enquanto diretor, com a peça A Herança, no Rio de Janeiro. A montagem ganhou protagonismo no cenário teatral por se tratar de espetáculo com mais de cinco horas, divido em duas partes. Além de dirigir, recentemente, os espetáculos Brenda Lee e o Palácio das Princesas e Once – O Musical, o encenador está prestes a estrear Codinome Daniel, o novo trabalho do Núcleo Experimental.
A seguir, Zé Henrique responde a algumas perguntas sobre o processo de criação de um espetáculo. Vale a pena conferir:
Ao que atribui o sucesso de um espetáculo?
ZÉ HENRIQUE DE PAULA: Quando decido investir num projeto, seja ele ideia minha ou um convite, jamais penso em como tornar o projeto bem-sucedido. Ou seja, não me preocupo com o que ele irá se tornar, mas sim na motivação que me (nos) levou a querer fazê-lo. Fazer teatro, especialmente no Brasil, é uma tarefa difícil e cheia de percalços, então é imprescindível que a motivação original esteja definida e alinhada com o meu ideário como artista. Por que contar uma história? Por qual razão abordar determinado tema? O que tem nessa dramaturgia que nos interessa nos dias de hoje? A meu ver, essas perguntas são essenciais para o que irá acontecer durante e depois do processo dos espetáculos. Sinto que uma das funções do artista é funcionar como uma antena para o que a sociedade atual quer ver transformado (e discutido) em arte. Infelizmente, uma parcela enorme da população vive anestesiada pelas demandas da chamada vida contemporânea: ganhar seu sustento financeiro, adquirir bens, provar seu sucesso, galgar um percurso profissional, isso sem falar da obsessão atual: “postar”. A arte existe para romper, mesmo que momentaneamente, essa anestesia. Me esforço muito para conseguir que os meus espetáculos produzam esse solavanco, tirem as pessoas dessa espécie de inércia, abram um canal de comunicação verdadeiro através da experiência presencial da Beleza. E como dizia o crítico literário e escritor Anthony Burgess: “Beleza é somente um outro nome para falar daquilo que também chamamos de Verdade”.
Como escolhe os temas abordados em seus espetáculos?
ZHP: Tento sempre ficar atento ao nosso Zeitgeist [termo alemão cuja tradução significa espírito da época ou sinal dos tempos], o espírito de nosso tempo, a alma de nossa época. Tem temas que me deixam bastante indignado – e a indignação é um excelente motor para fazer o teatro se movimentar – tenho percebido isso com o passar do tempo. Hoje em dia, quero falar especialmente daquilo que me parece injusto: preconceito, intolerância, violência (em suas variadas formas), abuso. Obviamente que, para se falar disso, é preciso que exista o outro lado da moeda: solidariedade, compreensão, tolerância, acolhimento, amor. Além disso, acho necessário fazermos um resgate de figuras históricas que foram esquecidas ou apagadas – o teatro é uma ferramenta muito importante para isso. É o que fizemos no Núcleo Experimental recentemente com Brenda Lee e o Palácio das Princesas e o que estamos preparando atualmente com Codinome Daniel, nosso novo musical sobre o guerrilheiro Herbert Daniel (1946-1992), que lutou contra a ditadura militar. Além disso, é importante salientar que tudo começa num bom texto e em personagens bem escritos e bem desenvolvidos dramaturgicamente. Busco exatamente esse tipo de texto, nos quais tema, personagem e enredo se fundem numa equação criativa, harmoniosa e potente. A outra metade da empatia vem do elenco e, nesse sentido, nada é mais importante do que saber escalar os atores e atrizes mais apropriados para os papéis. A fase do casting é crucial e pode alavancar ou arruinar um projeto. Esse aprendizado é contínuo e o meu olhar como diretor precisa ser constantemente treinado e exercitado nesse sentido. Uma das maneiras como faço isso é tendo uma atividade pedagógica permanente, através de aulas, sou professor da Escola de Atores Wolf Maya, e oficinas, que ministro no Núcleo Experimental.
De modo geral, qual a mensagem que espera transmitir aos espectadores por meio de suas produções teatrais?
ZHP: A mensagem é dividida em duas partes – na melhor das hipóteses. A primeira é sempre um alerta – de que ainda não temos justiça para todos, igualdade nas relações, compreensão de nossa pequenez, solidariedade para com os outros. Esse alerta é o que expõe as nossas fragilidades como seres humanos e como sociedade. A segunda parte é sempre um alento: o de que temos todas as ferramentas que precisamos para o aprimoramento, a melhoria, o desenvolvimento de que ainda necessitamos, seja numa esfera pessoal, social, política ou de qualquer outra natureza. Alerta e alento, para mim, são uma maneira perfeita de veicular qualquer mensagem sobre o palco.
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Gostaria de finalizar com uma frase de Zé Henrique, que me marcou muito ao longo de nossa entrevista:
“A gente, enquanto sociedade, ainda mais nessa sociedade neoliberal, horrorosa, a gente coloca um valor extraordinariamente negativo em cima da palavra erro. Mas a palavra erro é incrível, pois ela significa que você tentou! Que você foi, quis, que teve um movimento na direção de algo. Evidentemente que há erros… quem acerta logo de cara? O erro deve ser encarado como uma tentativa, e toda tentativa é um triunfo!”