Quando eu tinha 11 anos de idade fui ao Teatro Aliança Francesa com a escola assistir ao espetáculo A Megera Domada de Shakespeare, montagem do Grupo Tapa… Me lembro perfeitamente da atriz que fazia a personagem Bianca. Era Clara Carvalho. A mesma grande atriz Clara Carvalho que subiu ao palco hoje com a peça Agnes de Deus para o último espetáculo do Aliança Francesa antes dele fechar definitivamente as portas e virar em breve algum treco com terraço gourmet da vida, coisa muito mais rentável que um mero e simples teatro.
Ainda que haja um caminhão de memórias e espetáculos no currículo daquele espaço, ainda que ele ajude a contar a história do próprio Brasil através do elenco de atores que ali pisou para interpretar os mais importantes textos da dramaturgia ocidental, ainda assim, um teatro sempre permanecerá algo ínfimo para uma sociedade bastante habilidosa em tratar tudo como comércio (vide o nosso governador fascistinha-miliciano que almeja privatizar até a vossa mãe caso ela esteja dando sopa na esquina)
Foi com a ajuda da Clara Carvalho e do grupo Tapa que eu, ainda menino, mantive firme a minha ideia de um dia entrar numa faculdade para estudar e me tornar ator. Foi vendo bom teatro como o que eu vi no Aliança Francesa que eu – inconscientemente – fui instruído a entender que tudo o que acontece em cima de um palco não deve ser um problema de ordem particular, que fazer teatro é sempre fazer política e agir politicamente em direção à compreensão de quem somos nesse outro teatrão que a gente chama de vida. Fechar o Aliança Francesa é só mais um capítulo que estamos escrevendo desde que o Artur Azevedo no século 19 inventou aquela sua peça O Mambembe para celebrar uma indigência que nunca (salvo em alguns momentos em que o teatro virou opção de mercado) superamos. Nossa constante é a mendicância, desde sempre.
Parece que vai demorar, mas se não entendermos que teatro não é comércio, que não dá para equiparar teatro com uma hamburgueria, que teatro é Cultura e Cultura exige apoio e sustentação por parte do Estado…, até o instante em que percebermos que essas escolas de “formação de atores” que agem para suprir um mercado da moda, da ocasião, do charme, do estrelato, do empreendedorismo alimentam e contribuem para essa miséria generalizada… Então seremos espectadores eternos – assim como o foi Artur Azevedo – de um milhão de outras ruínas semelhantes a essa do Aliança Francesa. Como diria aquele famoso escritor colombiano: uma bela crônica de uma morte anunciada.
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