Bradley Cooper está estupendo em sua cópia fiel de Leonard Bernstein para o filme O Maestro. Tudo conspira para a perfeição: o jeito de falar, as expressões, as idiossincrasias do gênio da regência, as expressões, as emoções e… até o nariz. Um nariz magnânimo que ninguém suspeitaria de que não fosse o nariz do próprio Leonard Bernstein que estivesse ali, pregado e redivivo num corpo que só pode ser o corpo de Leonard Bernstein imantado pela alma de Leonard Bernstein, ainda que Bernstein não esteja mais entre nós há muito tempo. Bradley Cooper ganhará o Oscar, com certeza, e com muitos narizes de dianteira dos concorrentes.
Mas aí eu me pergunto: qual é a graça disso, hein? E atenção, a pergunta vem da perspectiva do ator – de quem é ator – qual é a graça de empreender esforços miraculosos para chegar à perfeição da composição, ao último estágio da cópia que nos faz exalar um OHH de estupefação pela indistinguível diferença entre o modelo real e o intérprete? Eu gostei muito do filme, como espectador eu saí do cinema emocionado com a trajetória incrível do maestro… Mas, olhando pelo ângulo inverso, de quem observa dos bastidores para a plateia… que baita preguiça! Tudo tão perfeito, tudo tão ajustado, tudo tão crível… incluindo um nariz crível? Até o nariz? Se ao menos o nariz fosse um nariz…
Leio aqui que Bradley Cooper estudou por 6 anos com um maestro profissional para reger uma orquestra profissional recheada de músicos profissionais para que, no instante em que ele comandasse a mesma orquestra profissional na gravação da última sequência do filme ninguém suspeitasse da sua falta de profissionalismo, ninguém suspeitasse de que aquele nariz de Leonard Bernstein não era um nariz que simulava o nariz real, mas um nariz-raiz, o próprio nariz chacoalhando em conformidade com a mão que ostentava a batuta tal e qual fazia Leonard Bernstein, o original … Só assim a música poderia verter de forma verdadeira, e o espectador iria poder acreditar naquilo que via. E, de fato, eu acreditei. Lindo! Ganhará o Oscar, com certeza.
Mas, novamente, que preguiça! Sei que teatro e cinema são coisas tão co-irmãs quanto uma praia no Saara e um quiosque tropical na Sibéria, mas, ainda assim, há atores nos dois departamentos, e, o ator de teatro é o que me agrada mais, porque no teatro o grande valor nunca deixará de ser o da simulação, e uma simulação cuja excelência é justamente inversa àquela alcançada pelo Bradley Cooper e seu ilibado nariz: o ator de teatro mostra que o nariz é falso, e quanto mais hábil ele for nessa exposição do truque, melhor ele se sairá com a plateia, que vai ao teatro para testemunhar de que maneira o ator raspa a verdade, sem nunca conquistá-la de fato. Por que é isso mesmo que acontece: no teatro nós estamos sempre, o tempo inteiro insuflando vida naquele vão da máscara, um pequeno espaço visível ao espectador, um hiato entre o rosto do ator e o artifício da personagem. É isso… Se o nariz do Bradley Cooper fosse um tiquinho torto para a esquerda… Se houvesse um pouco de Fellini temperando toda aquela realidade copiada e fidedigna… Ah, aí era a glória para além da estatueta dourada!
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