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Vilã em musical, Liane Maya quer preservar a memória dos musicais e sente a banalização do ofício de atriz

Entre o fim dos anos de 1970 e ao longo da década seguinte, o teatro musical vivia um momento de crescente vigor produtivo, com espetáculos feitos de forma artesanal utilizando […]

Notícias Por Bruno Cavalcanti

Entre o fim dos anos de 1970 e ao longo da década seguinte, o teatro musical vivia um momento de crescente vigor produtivo, com espetáculos feitos de forma artesanal utilizando de uma linguagem que misturava as influências do teatro de revista, do então recém-inaugurado teatro besteirol e da música popular brasileira.

Hoje, o período é enxergado pelo público que consome o gênero e por parte dos pesquisadores como uma espécie de momento de entressafra para a grande indústria que o gênero se tornaria, responsável por injetar fôlego no mercado teatral e arrastar multidões em plateias de diferentes tamanhos e – surpreendentemente – com uma variação de preços, com ingressos que podem bater a casa dos R$700.

Entretanto, o que é enxergado como momento passageiro, à época, era considerada uma espécie de retomada da era de ouro dos musicais, com produções pulsantes não apenas de títulos estrangeiros, mas também de criações brasileiras.

Dessa safra, surgiram títulos como “Splish Splash”, “Band Age”, “Pó de Guaraná” e “Village Station”, musicais considerados essenciais na pavimentação do caminho para a produção de títulos ainda maiores e que têm ao menos duas coisas em comum: todos foram dirigidos por Wolf Maya, e todos contaram com Liane Maya no elenco.

A atriz e cantora carioca é hoje nome incontornável no mundo dos musicais, mas é, também, figura essencial no processo de preservação da memória de profissionais e de produções que ajudaram a fazer o gênero chegar ao que é hoje.

“O Wolf Maia foi um pioneiro no Rio de Janeiro, com o Jorge Fernando e com pessoas de São Paulo, como o Jorge Takla, que precisam sempre ser lembrados. Eu me ressinto muito quando vou dar entrevistas, ou vejo entrevistas de pessoas que não sabem ou não entendem que tivemos um caminho percorrido e que é essencial”, diz a artista, que vive um novo momento de destaque na carreira ao dar vida a Velma Von Tussle, a vilã do musical “Hairspray”, que estreou em São Paulo em 05 de setembro.

O papel vem logo em seguida a outro momento importante na trajetória da atriz, que deu vida à Olívia Guedes Penteado (1872-1934) em “Tarsila – A Brasileira”, musical em que Claudia Raia dava vida à pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973), e que prestava um tributo à Semana da Arte Moderna de 1922.

Não se pode dizer que este é o momento de brilho de Maya, que encadeia uma carreira de êxitos. É difícil vê-la fora de cena em musicais em São Paulo e no Rio de Janeiro, assim como é difícil não enxergá-la, em audições, como uma forte candidata a qualquer papel de grande alcance. Como Velma Von Tussle, a atriz recebe aplausos em cena aberta durante seus dois números.

“Tem muito a ver com o preparo e o ofício. Eu estou disponível para o meu ofício, e é isso que eu sempre tento ensinar para os meus alunos. Que eles estejam disponíveis para a profissão e que se curvem diante daqueles que vieram antes, como a minha geração fazia com Fernanda Montenegro e Marília Pêra”.

Maya acredita que, na pele de Von Tussle, a chance não é apenas a de emplacar um grande papel, mas também de dar sua contribuição a uma discussão pavimentada na sociedade brasileira. “Ela é uma racista, não há o que discutir. Então a partir daí vem uma construção de uma mulher cruel, desequilibrada emocionalmente, egocêntrica. Ela contrapõe todo o discurso de liberdade, de avanços sociais, ela é muito contemporânea”.

Em “Hairspray”, a personagem é a produtora de um programa vespertino, o Corny Collins Show, em que um grupo de jovens apresenta seus talentos. Quando uma dançarina gorda, Tracy Turnblad, tenta entrar no show e busca a integração racial, com dançarinos pretos e brancos participando dos mesmos dias de exibição, Von Tussle inicia seu caminho de vilanias.

“Às vezes a gente defende a personagem, mas ela não precisa nem de defesa. Ela é naturalmente engraçada, porque é completamente desequilibrada, além de ser cruel. Cruel de verdade. As pessoas gostam dela porque ela faz parte de um show em que todas as personagens são cômicas, mas ela é terrível. E ver essa reação das pessoas é muito rico.”

Para a atriz, a montagem em cartaz no Teatro Renault leva algumas vantagens em relação à montagem original da Broadway, em 2001, ao filme de 2009 e à primeira montagem brasileira, em 2011. Ela é muito mais próxima do público.

“Essas produções todas eram muito mais alegóricas, mergulhavam de uma forma diferente nos anos 60, muito alegres, bonitas, passavam ao largo dessas discussões. Aqui a gente fala muito sobre racismo, sobre gordofobia. Eram discussões constantes nos ensaios, sobre como é isso no Brasil de hoje? Que lente vamos usar para que esse musical se mantenha divertido, mas que mergulhe profundamente? Acho que conseguimos”.

Outro ponto que a atriz vê como positivo é que, mesmo envolto em americanizações, a nova montagem de “Hairspray” tem elementos brasileiros que fazem com que Baltimore soe como uma cidade dos trópicos.

Um dos principais nomes a fazer a transição do teatro musical artesanal do final do século passado para as grandes produções do início deste século, a atriz enxerga prós e contras nas mudanças, e acredita que, a despeito do sucesso comercial, ainda estamos buscando uma linguagem patropi para chamar de nossa dentro do gênero.

“Temos coisas muito boas, como a chegada dos microfones, da tecnologia dos americanos, do profissionalismo, da disciplina e do método de trabalho, mas nós também fomos perdendo nossa linguagem”, avalia.

“A gente começa a falar de uma forma muito americanizada, e quem está de fora pensa que é soberba, mas é porque isso se instalou de tal forma que sempre que chega um novo musical, você audiciona com americanos, ensaia com americanos, você fala eventualmente com o criador, você quer se comunicar sem precisar de um intermediário, então isso vai nos levando a um processo de levar essas questões para o palco também, e isso não é bom.”

Ativista dos direitos da classe, Maya enfileira uma série de opiniões que a colocam, dentro do meio, como uma voz respeitada a ser ouvida. É contra a distribuição de DRTs para influencers, acredita que o processo de celebrização de pessoas foi banalizando a arte da atuação e vê com desconfiança a Inteligência Artificial e o processo de descarte dos profissionais no que se acostumou a chamar de PJtização do ofício.

“Lembro da Beatriz Segall dizendo que as pessoas queriam virar celebridades, ser famosas, não atrizes. Porque ser ator naquela época era diferente. Você vendia um carro para montar uma peça, eu vi isso acontecer. E eu vi acontecer também o processo de transformação do olhar para o teatro”, diz.

“Ninguém mais quer montar uma peça para tentar ganhar dinheiro, tá tudo sempre em cima de ganhar o DRT e ir para a TV, para o streaming para ficar famosa. As coisas estão mudando, não sei se para melhor”.

SERVIÇO Hairspray

Local: Teatro Renault | Av. Brigadeiro Luís Antônio, 411 – Bela Vista

Estreia: Dia 05 de setembro | quinta-feira

Curta Temporada

Horários: Quintas e Sextas | 20h

Sábados | 16h e 20h

Domingos | 15h e 20h

Preços:

Plateia Vip | R$175 (meia) e R$350 (inteira)

Plateia Premium | R$145 (meia) e R$290 (inteira)

Plateia Gold | R$130 (meia) e R$260 (inteira)

Plateia Silver | R$130 (meia) e R$260 (inteira)

Camarote Superior | R$175 (meia) R$350 (inteira)

Balcão Vip | R$19,80 (meia) e R$39,60 (inteira)

Balcão Premium | R$19,80 (meia) e R$39,60 (inteira)

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Sobre
Bruno Cavalcanti

Bruno Cavalcanti

Formado em jornalismo, atua como repórter, editor, coordenador de comunicação, professor de cursos livres sobre comunicação e suas tecnologias e como assessor de comunicação, além de prestar consultorias. Suas experiências são divididas entre as áreas de assessoria de imprensa, revisão de textos, produção cultural e executiva, e produção de matérias e grandes reportagens para impresso, web e rádio, além da gestão de estratégias de comunicação.

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