Chega esse tempo de eleições e o teatro aparece com força, porque nada mais teatral do que se colocar na posição de escolher alguém que ocupará um cargo público – há um conflito dramático aqui. Quem escolher? A política é um território que desde sempre fez parte dos assuntos teatrais, os textos gregos – as tragédias gregas – são manifestos políticos de embate de argumentos. Quem vence? Quem tem razão… ? O teatro nasce da política… E tudo é teatro, como diz Shakespeare, Machado de Assis, Pirandello e tantos outros – vivemos representando papéis, o tempo todo assumimos posturas e comportamentos a depender do cenário em que nos colocam para atuar: somos um no trabalho, outro em casa, outro na padaria. Mas, por outro lado, nada mais demonizado que o teatro nesse tempo de eleições – é hora de revelar as máscaras, dizem os candidatos! Um mascarado, alguém que esconde a sua individualidade para mascarar-se e assumir um papel diante da audiência é um hipócrita! E o hipócrita (o ator é um hipócrita – finge ser o que não é, está no dicionário, podem conferir) é alguém que deve ser execrado em praça pública, ao menos nessa nossa praça pública de hoje onde o valor está na autenticidade, na verdade! Não é hora de apresentar propostas – diz abertamente um dos candidatos à prefeitura de SP – é hora de revelar quem é quem. Quem é você? Mostre aí a sua casa, a sua família, quero ver você tomando café da manhã na mesa da sua cozinha! E se você estiver um pouco atento, essa é a regra que se estabelece no nosso teatro de hoje, nos palcos de hoje, virou índice de competência se revelar diante da audiência: borbulham por aí as autoficções, as autobiografias encenadas, os palcos abertos, sem cenários, sem urdimentos, tudo à mostra para evitar o perigo do mascaramento, o perigo da ficção. Não minta! Diga a verdade! Outro dia eu vi uma atriz festejada dos tempos atuais dizer claramente: eu busco a verdade, desconfio desse método em que é a mentira que vale para chegar até um papel. É preciso cavar fundo dentro de si mesmo para extrair de lá o âmago verdadeiro que habita nos recônditos das entranhas e mostrar, mostrar tudo, pele em carne viva! Dar à luz a quem se é, nunca, jamais, mascarar-se. E, no entanto, todos continuamos a representar papéis…, ainda que digam: é verdade! Esse sou eu! Já há nessa atitude tanto artifício, tanta máscara envolvida. Aliás, eu acredito pessoalmente que essa nossa época da legitimidade pela autenticidade está nos levando a um teatro dos mais farsescos jamais antes visto. Não parece a vocês que aquela cena da cadeirada é uma perfeita cena de teatro? Os dois atores verdadeiros, verdadeiríssimos – aqueles que defendem a honra de serem quem são -, de repente, viram dois deslumbrantes patetas de farsa teatral. Só faltou o contrarregra chapar um prato na hora da pancada, o resto estava tudo lá, pronto pro aplauso da audiência…
Fiquem atentos! Esse nosso tempo, como todos os outros que já vivemos, nunca, jamais, abre mão do teatro – desse teatro dos disfarces deslavados – que por mais que advoguem contra, volta com força ainda mais avassaladora.
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