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TEATRO NÃO É EVENTO

Coluna Por Oswaldo Mendes

Neste ano, dois clássicos passaram como cometas por teatros do Sesc e desapareceram em poucas semanas. Quem viu, viu. Quem não viu, conforme-se. Ou espere que o acaso improvável traga um deles, ou os dois, de volta. Um eu vi, o “Tio Vânia” de Tchekhov dirigido por Eduardo Tolentino. O outro, “Hamlet”, dirigido por Gabriel Vilela, não deu tempo. Ambos estrearam no início de maio e acabaram no mesmo domingo de junho. Três ou mais meses de ensaios reduzidos a seis semanas de apresentações.

Além do “teatro-motel”, caracterizado por ocupações rápidas, a política do Sesc criou o “teatro-natimorto”, que nasce com data para morrer. Política que se reproduz em institutos culturais de empresas e grandes bancos, em secretarias de governo e organismos oficiais.

Essa política surgiu no mesmo momento histórico de outras políticas públicas, como o modelo das PPP (parcerias público-privadas) do governador Mário Covas. Há mais de 20 anos, disposto a nos dar o que chamou de “choque de capitalismo”, Covas afastou a Cultura das atribuições do Estado e entregou o controle dos teatros (e outros espaços públicos, como as Oficinas Culturais) às OS, Organizações Sociais que recebem dinheiro nosso para fazer o que entendem ser melhor para nós. Enfim, política cultural deixou de ser atribuição do Estado (e isso vale também para municípios e União).

Implantou-se assim o que chamei em debate da revista Cult no Sesc Vila Mariana de “teatro-motel” e de “teatro-natimorto”, há mais de dez anos. O saudoso Danilo Miranda soube do meu comentário (está no YouTube) sobre a “política de motel” aplicada ao teatro pelo Sesc. Quando falamos sobre isso, eu lhe disse que no futuro algum historiador iria revelar o mal que o Sesc fez ao teatro como atividade profissional regular. Por que no futuro?, ele quis saber. Porque no presente ninguém correrá o risco de cair em desgraça e fechar para si os ótimos teatros do Sesc. Danilo riu e emendou um gentil “precisamos conversar”. Não tivemos tempo.

Está bem, admito, sou um dinossauro. Mas não precisa ser do neolítico para saber que o teatro se faz a cada apresentação. E que o espetáculo cresce e o elenco se apropria das personagens no fazer diário, no contato com a plateia. Enfim, teatro não é evento e foi nisso que o Sesc o reduziu com sua política. E os profissionais do teatro abdicaram do seu ofício para viver do cachê que recebem, sem se preocupar com o público. Se a plateia vier ou não, goste ou não, tudo bem. A conta do padeiro deste mês, como diz o Galileu de Brecht, será paga. E assim seguimos, vivendo da mão pra boca.

Qual a solução? Não sei. São muitas gerações que só conhecem esse jeito de fazer teatro. Antes de exercer o seu ofício, dedicam-se a formatar projetos para editais. São as gerações Excel, sem tempo para fazer o que dizem mais gostar, que é estar no palco. Cabe aos que estão chegando criar alternativas para o fazer teatral.

Se tiverem o que dizer no palco, e que seja urgente, as gerações do futuro encontrarão caminhos que não levem ao teatro-motel nem façam do teatro só um exercício de vaidade com cachê garantido para a conta do padeiro. Recolham do passado as lições que possam ser úteis, mas tenham a coragem de inventar seu próprio jeito de fazer valer o seu destino.

Nota: As informações e opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu/sua autor(a), cujo texto não reflete, necessariamente, a opinião do INFOTEATRO.

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Sobre
Oswaldo Mendes

Oswaldo Mendes

Oswaldo Mendes, ator e autor de teatro, formado pela EAD, Escola de Arte Dramática de São Paulo em 1971. Jornalista até 1992, cofundador da Associação Paulista de Críticos de Arte, APCA, trabalhou nos jornais Última Hora e Folha de São Paulo. Prêmio Jabuti por "Bendito Maldito - Uma biografia de Plínio Marcos" (Editora Leya). Como autor, escreveu diversas peças como, "Brecht segundo Brecht", "Revista do Henfil", "A dança do universo" entre outras.

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