Você lembra como foi sua virada de ano em 2020, 2021 ou 2022? Quais foram os seus desejos, suas preces e promessas? E o que se realizou ou você conseguiu cumprir? Quais entre as suas ambições você foi obrigada a abandonar ou teve de deixar de lado?
Particularmente, uma das minhas aspirações mais incontidas, no início destes anos pandêmicos, era voltar aos teatros. E, nesta semana, ao conversar com os grandes artistas envolvidos com o espetáculo Antes do Ano que Vem, percebi – depois de me beliscar, é claro – que isso está acontecendo; não canso de repetir: o teatro está voltando!
A conversa aconteceu no Teatro Unimed, em São Paulo, – inaugurado em 2019 e que, só agora, está retornando às atividades. Ao chegar para o nosso papo, todos foram extremamente acolhedores; consegui sentir, já de início, a energia e vibração transbordarem pelas portas do teatro. É perceptível nesses tempos de retorno a comoção de cada artista pela volta às tábuas dos palcos. E isso, certamente, vai se transmitir ao público a cada apresentação desse recomeço, transformando todo esse frenesi num momento realmente mágico.
O projeto, encabeçado pela comediante Mariana Xavier, conta a história de sete personagens (todas interpretadas pela atriz), que encaram a virada do ano com perspectivas bastante distintas. Seguramente, você vai se identificar com elas… A peça estava prevista para estrear em janeiro de 2020, mas foi adiada, não apenas pela pandemia, mas também por uma perna quebrada – que já está curada. No teatro, costumamos dizer “merda” ou “quebre uma perna”, para evocar sorte e uma boa apresentação. Porém, Mariana Xavier literalmente fraturou a perna – seis dias antes da estreia que antecederia à pandemia. Ela brincou: “No fundo, foi um aviso prévio, uma mensagem dizendo: ‘minha filha, não queime esse cartucho agora’. A peça mudou muito desde então, somos outras pessoas. Hoje me sinto madura e feliz com o que estamos fazendo”.
A seguir, confira a conversa com a atriz Mariana Xavier, o autor Gustavo Pinheiro e os diretores Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos.
Como foi revisitar a peça depois de quase dois anos?
Gustavo Pinheiro: Acho que o texto já tinha uma importância antes da pandemia, mas, neste “pós pandemia”, parece que a encenação ganhou uma nova camada. Isto porque, o texto fala de esperança, desesperança, de como e porque devemos seguir adiante todos os dias. Tudo começou quando li uma matéria de jornal dizendo que o fim de ano é a época em que há mais suicídios. Fiquei muito assustado com aquilo, achei ironicamente triste. Justamente por se tratar de uma época esperançosa, de renascimento…
Mariana Xavier: Muitos de nós, pelo menos aqueles que têm consciência do que vivemos, tiveram esse momento de isolamento, de profunda solidão, uma imensidão de planos frustrados. Todo mundo teve que desistir de muitas coisas e muitas pessoas tiveram, também, vontade de desistir. O texto ganha outra profundidade agora. Acho que nós fomos meio videntes, visionários quanto ao tema. São datas de muita contradição, pois há uma espécie de felicidade obrigatória: você tem que estar grato pelo que aconteceu, e esperançoso pelo que está por vir. Mas há muitas pessoas profundamente frustradas por tudo o que planejaram e não conseguiram realizar. Então, de fato, é uma noite bem crítica.
Como tratar esses temas com humor? Qual a função do humor atualmente?
Lázaro Ramos: O humor sempre serviu e sempre servirá para abrir nossa mente, este é o princípio básico. A gente pode, às vezes, até falar de assuntos que parecem despretensiosos, mas, para mim, serve para fazer a sociedade avançar. Quando falamos que o humor também pode olhar para a diversidade que é o mundo, para mim, isso não é uma limitação. Na verdade, é um potencial criativo! Uma das coisas mais legais dessa peça é o desafio de falar de pessoas que estão desesperadas, que podem cometer atos extremos, com humor, sem desrespeito. E o mais legal é que este projeto foi alimentado pelas reflexões que a gente fez sobre o humor dos nossos tempos. Como me relaciono com as demandas do meu tempo?
Ana Paula Bouzas: E o texto nos joga para um lugar de reflexão e crítica profunda. Como tratar desses assuntos, fazendo com que deixem de ser tabus, sem sermos desrespeitosos? O humor é uma das janelas que nos permite conversar com o espectador de questões críticas.
De onde surgiu a ideia inicial do projeto?
MX: Eu e o Gustavo [Pinheiro] temos grandes amigos em comum, e tínhamos vontade de fazer alguma coisa juntos. Além disso, já estava pensando na ideia de, aos 40 anos, fazer um monólogo. Então, começamos a conversar sobre o que poderia ser esse texto – sempre falei que queria uma coisa divertida, mas com alguma mensagem crítica. Quando o Gustavo me entregou o texto, estava saindo de um dos meus primeiros momentos de crise de ansiedade, então o texto me abraçou de uma maneira… bateu com o que queria dizer para o mundo.
E Lázaro [Ramos] era uma paixão… eu passava pelo Projac e dizia: “Gosto tanto de você, que você nem imagina!”. Aí um dia ele respondeu: “Eu que gosto tanto de você, que você nem imagina”. Não sei te dizer de onde tirei a ideia do Lázaro dirigir… acho que foi meu anjo da guarda. Depois veio a ideia de chamar a grande atriz e diretora Ana [Paula Bouzas] para o processo, sou muito fã do trabalho dela. E, por fim, entrou um terceiro nome na direção, o incrível Márcio Vieira, que veio para fazer a direção de movimento.
LR: Acho bacana a gente falar das outras pessoas da equipe também, pois a Mari [Mariana Xavier] tem um dedo bom para escolher gente talentosa e afetuosa. Estou conhecendo a maior parte da equipe agora…
MX: E a gente amadureceu muito como equipe com tudo o que aconteceu… isso se reflete no espetáculo.
LR: Tem uma coisa muito bonita que faz parte desse amadurecimento. o Gustavo [Pinheiro] criou um texto difícil… sete personagens que vão e voltam, que conversam entre si e que não têm tempo entre uma cena e outra. No início, antes da pandemia, a gente tentava muito inventar coisas, como se o encontro dessas mulheres precisasse de algo a mais do que o teatro em si. Acho que essa foi a grande conquista: quando voltamos, entendemos que a nossa maior aliada é, e sempre foi, a teatralidade. Teatralizar os movimentos da Mari, o jeito que essas diferentes personagens se encontram…
MX: Virou uma celebração à magia do teatro.
Como foi assumir a direção do espetáculo?
APB: Acontece uma simbiose entre quem está no palco e quem está dirigindo. Este “estar fora de cena” não representa mais estar fora para mim. Isto é, enquanto diretores, também nos colocamos em cena.
LR: Para ser sincero, eu, a partir de um determinado momento, não era nem ator e nem diretor. Virei plateia mesmo, assistia a Mari para me divertir! Tiveram momentos em que fui bem descarado, só ria…
Tem algo que queiram dizer, mas que ainda não foi perguntado nas entrevistas que fizeram?
LR: Tem sim uma coisa que quero dizer! Quando cheguei aqui no teatro, anteontem, para montar a luz e o cenário, meu coração disparou. Fazia muito tempo que a gente não entrava em um teatro para montar uma peça. E essa peça traz uma coisa muito simples, que é justamente o que fez eu me apaixonar pelo teatro: a sensação de você estar em casa e se sentir acolhido. E isso é muito importante para esse retorno ao teatro, enfim, uma sensação boa, que queria compartilhar.
APB: Acontece uma coisa que adoro no espetáculo. Em uma situação, nunca imaginada por essa personagem, ela se vê precisando romper barreiras de algo que nunca imaginou que fosse necessário. E essa pandemia deixou a gente diante desse muro de impossibilidades inimagináveis. Mas a personagem atravessa este momento árido. Ela resolve a vida dela. Isso sempre me toca quando assisto à peça. Precisamos acreditar que, no meio desse abismo de impossibilidades, ainda há esperança. E o teatro é uma bela ponte para que a gente consiga fazer essa travessia: atravessar a barbárie sem sucumbir a ela.
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.