“Tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu…”.
Tem dias que penso tantas coisas sobre a vida e o teatro. Nessa semana que passou, foram tantos pensamentos, ideias, angústias…
Quarta-feira (27), por exemplo, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou projeto de lei que acabaria com a meia-entrada em eventos culturais e esportivos no Estado de São Paulo. Entretanto, na sexta-feira (29), o Governo de SP vetou o projeto da referida lei; o que isso representaria, na prática, para a classe artística e para o público? Frases da entrevista que fiz neste espaço com a atriz Marisa Orth não pararam de ecoar na minha mente. Reli até a crítica de uma peça da qual participei em 2019, procurando rememorar os acontecimentos que ficaram para trás antes desse hiato de mais de ano e meio.
O motivo, ao certo, dessas minhas reflexões eu não saberia dizer. Talvez seja pela paulatina retomada do teatro presencial, vocês perceberam? É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo… A vida está voltando, finalmente!
A volta do teatro como sempre foi, presencial, a volta da vida, o novo normal me faz paralisar depois de tudo pelo que passamos. A ansiedade diante da antiga vida, mas que, agora, parece totalmente nova, tem me deixado atônita. Então, nesses momentos, de profunda ansiedade, recorro à música! É ela que me reconduz ao eixo das coisas; é ela que me salva, muitas vezes.
“A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu…”, essa foi a música mais ouvida na semana passada: Roda Viva, de Chico Buarque. Lembro de quando fui assistir à peça musical Roda Viva, no Teatro Oficina, em 2019, fiquei horas na fila para conseguir um ingresso… e em meio a meus devaneios sobre esse espetáculo – tão marcante para mim –, perguntei a mim mesma se as pessoas sabem que a música Roda Viva faz parte da peça de mesmo nome, escrita por Chico Buarque de Holanda. Você sabia?
Então, decidi citar, na coluna de hoje, algumas músicas brasileiras, aquelas que nem sempre sabemos que foram compostas originariamente para teatro, mas que integram a nossa memória musical. Quem sabe, com essa lembrança de belas músicas do teatro nacional, não possa eu, aqui do meu cantinho, contribuir para minimizar a ansiedade que nos consome a todos, neste momento de renascimento.
Escolhi minhas preferidas; vamos a elas:
Roda Viva – da peça: Roda Vida
Roda Viva é a música mais popular do musical Roda Viva, escrito por Chico Buarque, em 1967. A primeira montagem da peça aconteceu um ano depois, com direção de ninguém menos que José Celso Martinez Corrêa! Quem sabe o Oficina não volte com mais uma montagem deste lindo texto, afinal, “o tempo rodou num instante…”. É importante dizer que se trata da primeira aventura do compositor na dramaturgia, mas, como se haverá de notar, ele teve grande protagonismo no teatro, por meio de textos e composições antológicas.
História de Uma Gata – da peça: Os Saltimbancos
Um dia desses, uma grande amiga me contou que, quando criança, foi assistir inúmeras vezes a uma peça infantil que, hoje, ela não lembrava o nome… disse que ela e o irmão não paravam de cantar as músicas do espetáculo, e lembrou até do sorvete que sempre tomava antes de começar a peça. Depois de um tempo, ela lembrou: “Saltimbancos!”. Na infância, também era uma de minhas peças preferidas. Em casa, tínhamos o CD, com interpretações de Nara Leão (como a Gata), Miúcha (como a Galinha), Magro (como o Jumento), e Ruy Alexandre Faria (como o Cachorro). Os Saltimbancos é uma peça de teatro musical infantil originalmente italiana, inspirada no conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm. No Brasil, as músicas ganharam versões de Chico Buarque. Minha música preferida é a da Gata: “Nós gatos já nascemos pobres, porém, já nascemos livres”, lembram?
Gota D’Água / Basta Um Dia – da peça: Gota D’Água
O texto de Gota D’Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, teve sua primeira montagem em 1975. A grande atriz Bibi Ferreira foi a primeira a encenar o papel de Joana. No YouTube, é possível achar algumas gravações da atriz nessa montagem, inclusive, cantando as músicas Gota D’Água e Basta Um Dia. Bibi Ferreira, na interpretação dessas canções, divide as ideias cantadas de uma forma surpreendente, dizendo palavra por palavra, com total precisão, uma de suas muitas qualidades. É imperdível!
Geni e o Zepelim / Teresinha / O Meu Amor / Pedaço de Mim / Folhetim – da peça: A Ópera do Malandro
Fiz questão de colocar algumas das mais famosas músicas da peça A Ópera do Malandro, musical escrito, também, por Chico Buarque, em 1978. Essas canções são maravilhosas, cada uma a seu modo. “Joga pedra na Geni!”, quem nunca ouviu essa expressão, referida na música? Geni e o Zepelim, interpretada com maestria, pode ser ouvida na voz da atriz e cantora Cida Moreira. Já Teresinha, na interpretação de Maria Bethânia – a música parece ser só dela. A música O Meu Amor, no dueto de Marieta Severo e Elba Ramalho é de arrepiar. Marieta e Elba fizeram parte do primeiro elenco de A Ópera do Malandro. Em Pedaço de Mim, uma das músicas mais intensas, minha versão preferida é de Zizi Possi. E, por fim, Gal Costa, cantando Folhetim, é a coisa mais linda!
Sonho Impossível – da peça: O Homem de La mancha
A peça musical O Homem de La Mancha, escrita por Dale Wasserman, é inspirada em ‘Dom Quixote’, a clássica obra de Miguel de Cervantes. No Brasil, Chico Buarque de Holanda e Ruy Guerra fizeram a versão adaptada das canções para o português. Uma das músicas mais incríveis, na minha opinião, é ‘Sonho Impossível’: “Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder…”. A interpretação de Maria Bethânia é simplesmente sensacional, insubstituível; ouvir uma artista como Bethânia, cantando sobre a força de continuar, “seja lá como que for”, é verdadeiramente inspirador.
Repararam que, no final das contas, certamente não por acaso, todas as músicas citadas são do grande Chico Buarque?! Eu realmente fui selecionando minhas preferidas e, quando dei por mim, eram todas dele ou em parceria com ele!
Portanto, viva Chico Buarque de Holanda – esse compositor fundamental, também para o nosso teatro!
Para seguir adiante, mais um pouco de Chico, em ‘Sonho Impossível’: “E assim, seja lá como for, vai ter fim a infinita aflição, e o mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão.”
Veremos, com certeza!
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.