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Como o trabalho corporal fundamenta o teatro

Coluna Por Natália Beukers

Todo início de semana começo a me perguntar sobre qual tema abordar na coluna de Vogue Gente. Iniciante na aventura de escrever semanalmente, por vezes, acabo nervosa até encontrar um bom assunto e que possa interessar aos leitores. Algumas semanas são mais fáceis, porque os fatos sugerem e pautam o artigo. Entretanto, há outras em que parece que existe apenas uma folha em branco (ou seria uma tela?), sem que brote alguma inspiração…

Mas, desta vez, o tema surgiu de forma inusitada! Estava eu na frente do computador (diante da tal “folha branca”), quando senti uma leve dor nas costas. Daí, heureca! Surgiu a ideia: falar sobre a importância da atenção para os sinais do corpo e como isto faz parte do trabalho do ator.

Pensar no corpo de forma estética é algo muito recorrente na sociedade atual, mas, como já é sabido, o corpo vai muito além da imagem… É o meio pelo qual podemos entender diversas questões psicológicas de nossas vidas. Um livro que foi superimportante para mim, nesse sentido, foi O Corpo e Seus Símbolos, de Jean-Yves Leloup. A cada capítulo, o autor aborda uma parte do corpo e o que ela representa: “Convido-os a escutar nosso corpo”, inicia Leloup.
E, mais adiante, completa: “Cada acontecimento vivido, particularmente na primeira infância, e também na vida adulta, deixa no corpo uma marca profunda”.

Mas, se o corpo é algo assim tão único e específico, e toma a forma das vivências de cada ser humano, como se dá essa pesquisa no teatro, em que é preciso criar, a cada montagem, o corpo de uma personagem diferente?

No teatro, fala-se muito no trabalho corporal a partir do corpo neutro – um corpo pronto para ser esculpido pelo artista. Isto é, como cada indivíduo tem um corpo diferente e, logo, cada personagem exige um corpo só seu, o bom ator deve ter seu “instrumento de trabalho” preparado para inúmeras possibilidades.

Por um dos vieses das artes dramáticas, a partir dos ensaios, o ator pesquisa como o corpo daquela personagem estará disposto no espaço, quais serão suas principais características: um andar marcante, um jeito específico de segurar o cigarro, um modo único de se sentar. Para mim, está aí uma das partes mais instigantes da interpretação: a pesquisa desse novo corpo, adequado ao papel que se vai representar.

Trata-se de um corpo que não é propriamente seu, e que precisa ser introjetado pelo intérprete. Mas não se engane! Essas escolhas não surgem em vão. Há razões para o corpo de determinada personagem ser de tal ou qual forma. E nisto vai muito do trabalho do ator e, certamente, o diretor também haverá de influir nas escolhas a fazer.

Diante de uma obra dramatúrgica, o ator busca entender a lógica daquele determinado personagem e, a partir daí, procura o corpo que lhe parece mais adequado. Isto é, procura-se, a partir do texto teatral, entender o porquê de cada fala, de cada ação, e, portanto, de cada gesto e expressão corporal também. Assim, neste caso, interpretar significa estabelecer o entendimento profundo sobre a lógica dos pensamentos da personagem, e, dessa forma, compreender os motivos pelas quais age-se de determinada maneira. E o corpo é o reflexo de tudo isso! Os maneirismos das personagens fazem o espectador compreender o que vai na alma de cada uma delas e isto deve transmitir a intenção do texto.

Ao final desse trabalho, é possível chegar a uma partitura corporal precisa, totalmente lapidada pelo ator e diretor – como se fora uma coreografia, milimetricamente pensada. Mas, ao contrário da dança, no teatro, essa partitura física pré-estabelecida pode se desenvolver e mudar ao longo da temporada. Será, quase sempre, aperfeiçoada pela experiência de realizar a ação a cada novo espetáculo. Fica o convite para, na próxima vez que você, leitor, leitora, for ao teatro, observar o corpo dos atores e o quanto eles contribuem, ou não, para contar aquela determinada estória.

Falando de interpretação corporal dramática, eu não poderia deixar de citar Pina Bausch. A coreógrafa alemã revolucionou a dança contemporânea. Foi a propulsora do encontro entre a dança e o teatro, dando contribuições  fundamentais para o que se convencionou chamar teatro-dança.

Já, no Brasil, Klauss e Angel Vianna foram fundamentais para o estudo do corpo dramático. Klauss Vianna desenvolveu método próprio para a expressão corporal na dança e no teatro, que, posteriormente, foi sistematizada por seu filho, Rainer Vianna, dando origem à Técnica Klauss Vianna. Essa técnica aborda justamente o movimento a partir da “escuta do corpo”.

Outro livro que me marcou bastante foi O Corpo Fala – a linguagem silenciosa da comunicação não-verbal, de Pierre Weil e Roland Tompakow. Lembro que quando li esse livro, no meu primeiro ano da escola técnica de teatro, um mundo novo se abriu para mim. Os autores não abordam o corpo voltado apenas ao estudo do teatro, mas têm seu olhar para a vida de maneira ampla. Isto é, eles ensinam a analisar as pessoas conforme o comportamento corporal, o que pode ser revelador até para quem não tem interesse por teatro.

Vocês já pararam para pensar o que uma perna ou os braços cruzados podem significar? Por que aquela pessoa está com as mãos no bolso? Será que não está interessada no que estou dizendo? Ou deseja esconder seu estado de ânimo? Enfim… A imaginação vai longe, mas o conhecimento aprofundado da técnica esclarece muitas condutas do dia a dia, que nem costumamos notar ou sequer analisar.

Assim como para os atores, independentemente de sua profissão, a atenção para a linguagem do corpo é fundamental. Isto porque, a consciência corporal, pode ser reveladora, inclusive para avaliar a si mesmo.

Você já escutou o seu corpo hoje?

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz e criadora do Portal Infoteatro, formou-se em Direito pela PUC-SP (2020). Começou a estudar teatro aos 10 anos, formando-se como atriz em 2017. Entre 2017 e 2021, estudou com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”, além de ter sido assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. Professora de teatro desde 2022, atualmente cursa licenciatura no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Embaixadora do Teatro B32, também já colaborou com a Folha de S. Paulo e com o segmento 'Vogue Gente', da Vogue Brasil, entre 2021 a 2023, onde publicou mais de 50 textos sobre teatro. Desde a criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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