Finalmente chegou o momento de escrever algo sobre o teatro estrangeiro. Digo “finalmente”, pois já faz algumas semanas que estou com essa pauta em mente, mas os acontecimentos externos à coluna me levaram a adiar sua realização.
Partindo da constatação de que a arte de forma geral, e o teatro, em particular, dizem muito sobre a cultura de um povo, seus hábitos, a maneira peculiar de ver as coisas e retratar a vida, a vontade de escrever sobre o tema surgiu da minha percepção de que esse conhecimento serve para alargarmos ainda mais nossa maneira de assistir teatro, de enxergar a profundidade de cada espetáculo, com as nuances de cada povo, visto de perspectivas diferentes. Longe de pretender estimular uma desnecessária – porque infrutífera – discussão sobre qual seria o melhor teatro, o interessante é a observação sobre as diferenças do teatro conforme cada país, sem comparações, por vezes, de cunho simplista.
Estudo teatro desde os dez anos de idade, mas só há alguns anos passei a pensar na possibilidade de conhecer e estudar, também, o teatro fora do Brasil. É claro que os clássicos são encenados em toda parte, mas cada diretor, os artistas locais, sempre dão o seu tom à obra. Quando comecei a frequentar grupos de estudo no Grupo TAPA (2017), ao passo que o diretor Eduardo Tolentino de Araujo citava montagens, atores e teatros estrangeiros, aumentava a minha vontade de desvendar esse universo e assim expandir o meu conhecimento.
Em 2018 e 2019, tive o privilégio de assistir a algumas montagens fora do Brasil – mais propriamente em Berlim (Alemanha), Epidauro/Argólida (Grécia), Buenos Aires (Argentina) e Nova York (EUA). Assisti nesse período, ao todo, 14 peças estrangeiras – entre textos de Shakespeare, Tchekhov, Tennessee Williams e Sófocles. Posso garantir que essas experiências foram um divisor de águas para mim. Desde perceber qual a relação do público com o espaço teatral em outras culturas, até reparar nas diferentes vertentes de interpretação, o conhecimento do que é estrangeiro, e, portanto, diferente, me fez compreender um pouco melhor o nosso próprio teatro.
Sabiam que o Brasil é um dos poucos lugares em que o público se levanta para aplaudir um espetáculo? Em Berlim, por exemplo, os aplausos duram, por vezes, cerca de dez minutos! Os atores entram e saem de cena várias vezes para agradecer, mas são raros os espectadores que ficam em pé, sendo esta apenas uma curiosidade, entre tantas que cada um de nós poderá notar – não quero sugerir aquilo que possa partir da experiência pessoal.
Mas por que trazer este assunto aqui, se o acesso a essas montagens seria em princípio restrito? Aí é que está! Antes da pandemia, fora alguns poucos vídeos disponíveis na internet, o jeito de assistir a alguma dessas montagens, estava quase que completamente vinculado às viagens ao exterior. Só assim seria possível desvendar como estaria o teatro fora do País.
Mas, o que aconteceu foi que, com o fechamento das salas e o necessário distanciamento social, teatros de todas as partes do mundo começaram a disponibilizar filmagens de espetáculos variados. Isso possibilitou que o teatro pudesse estar na casa das pessoas durante este momento tão trágico – e, assim, pessoas de todo o mundo passaram a ter acesso as montagens de diversos países.
O Grupo TAPA, por exemplo, a partir de abril de 2020, por meio do Instagram (@grupotapa), passou a indicar uma nova peça estrangeira todos os dias. Essa prática ganhou o nome de “TAPA Indica”. Por mais que o Grupo tenha parado de fazer as indicações – também em razão da gradativa retomada dos espetáculos presenciais – ainda é possível pesquisar boas indicações no perfil do TAPA. E, mais do que simples indicações, todas elas vêm acompanhadas de breves resenhas do diretor Eduardo Tolentino – vale muito a pena conferir!
Para facilitar um pouco este caminho, selecionei algumas peças que foram muito importantes para mim. Todas elas estão à disposição no YouTube:
Marquesa de Sade
Trata-se de peça dirigida pelo sueco Ingmar Bergman. Por mais que conheçamos o grande Bergman por suas importantes produções cinematográficas, ele também foi reconhecido pela direção no teatro. Sua produção teatral é riquíssima e, realmente, um privilégio termos acesso a esse registro teatral. Neste caso, há legendas em espanhol e inglês.
Seis Personagens à Procura de Autor
Seis Personagem à Procura de Autor é um dos textos, na minha opinião, mais instigantes do autor italiano Luigi Pirandello. Totalmente metalinguístico, o texto é um clássico do teatro! Essa montagem foi dirigida por Giorgio de Lullo para a televisão italiana RAI. A peça conta com a interpretação da atriz Rosella Falk no papel protagonista e, como disse Tolentino a respeito da intérprete, é a Fernanda Montenegro italiana. Não percam!
O Jardim das Cerejeiras
Na direção do italiano Giorgio Strehler, essa montagem, com o afamado texto do russo Anton Tchekhov, é uma das peças mais lindas que já assisti. A montagem é do Piccolo Teatro Di Milano e conta com interpretações arrebatadoras – um superelenco! Para aqueles que já tiveram a oportunidade de assistir a qualquer montagem de O Jardim das Cerejeiras, não deixem de assistir a essa, especialmente. Em meio a diversos tons de branco, o Jardim de Strehler chega à excepcionalidade que o texto de Tchekhov exige.
Liza com Z
Para quem prefere assistir a um ótimo show, com interpretação excelente, Liza com Z é uma ótima pedida! Sob direção de Bob Fosse, a atriz Liza Minelli canta seus maiores sucessos no show realizado em 1972. O difícil será esquecer as músicas ao longo dos dias que se seguirão. Quando assisti a este show, não conseguia parar de cantar pela casa e até na frente do espelho… Verdadeiramente contagiante!
Milva Canta Brecht
Trata-se de show da artista italiana Milva que, por sinal, faleceu em abril deste ano. Também dirigida por Strehler, Milva dá um show de interpretação nesse espetáculo. Entre canções arrebatadoras do dramaturgo Bertold Brecht, na maior parte em parceria com Kurt Weill, minhas preferidas são as interpretações de Surabaya Johnny e Bilbao Song.
Você pode estar se perguntando qual a finalidade de assistir a montagens que sequer possuem legendas em português… A questão é que o teatro vai muito além do que está sendo dito. É quase a mesma sensação de escutar uma música da qual você não entende a letra. Claro que a compreensão do texto é importantíssima, e no teatro o texto quase sempre merece destaque, mas, por outro lado, é possível entrar em contato com uma obra teatral por meio de outras vertentes: por exemplo, o corpo e o ritmo – atributos reveladores da ação dramática. Podemos apreciar o cenário, assistir a performance de artistas que nunca vimos ou sonhamos assistir…
Além do mais, creio que pela minha formação de atriz, também considero libertadora a possibilidade do entendimento teatral por vieses diversos do texto, quando a língua encenada não pode ser compreendida. É, de fato, um exercício árduo de interpretação daquilo que está sendo transmitido para o espectador. Mas, vocês verão que é transformador… aproveitem!
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.