A partir de 2020 comecei a pensar bastante a respeito do espaço que autoras mulheres ocupam na dramaturgia. Essa reflexão começou a partir de um curso do qual participei sobre grandes autores que marcaram o teatro no século XX. Entre esses dramaturgos estão Strindberg, Pirandello, Brecht, Ionesco, Pinter, Albee… Sim, apenas autores homens. A partir disso, naturalmente, surgiu o questionamento necessário do porquê entre eles não havia nenhum nome feminino. Passei a ficar atenta em relação a isso e descobri que, de fato, a ausência da citação de autoras é recorrente, quando se trata de teatro.
A questão que se impõe é: existiria mesmo falta de tradição das mulheres na dramaturgia? Isto decorre de que autoras não tiveram espaço para se desenvolver? Ou por que não nos debruçamos sobre suas obras?
O ponto é que as obras escritas por elas são muito relevantes, repletas de personagens complexas e estruturas narrativas riquíssimas. Portanto, penso ser de todos, da sociedade em geral, a responsabilidade pela falta de protagonismo das mulheres na dramaturgia – seja pelo pouco conhecimento acerca de seus textos, seja pelo interesse tardio em conhecê-las. Precisamos mudar isso, pois, por conta de tal postura, acabamos perdendo a oportunidade de conhecer textos excepcionais!
Tempos depois, em 23 de setembro de 2020 – quase um ano atrás –, em live que realizei no INFOTEATRO, Pedro Pacífico, criador do perfil Bookster, me perguntou quais autoras eu indicava para que ele pudesse ler. Travei naquele momento, me deu branco… não lembrava o nome de nenhuma autora para citar.
Depois desse episódio, me dei conta da urgência de pesquisar mais sobre a dramaturgia feminina. A seguir, selecionei algumas autoras brasileiras que precisamos conhecer e reverenciar cada vez mais.
Anamaria Nunes (1950-2016)
Conheci a obra de Anamaria Nunes a partir da peça O Tambor e o Anjo. Já falei em colunas anteriores sobre essa experiência, primeira peça profissional da qual participei, com direção de André Garolli. O texto é verdadeiramente apaixonante: o desabrochar de uma menina em plena ditadura militar. Em 2017, um livro foi publicado com duas obras da autora: O Tambor e o Anjo e A Era do Rádio – Saudades do Brasil. Vale a pena conferir a edição da Darda Editora, pois a leitura dos textos de Anamaria Nunes é muito prazerosa. Em linhas gerais, a autora carioca se vale de muita ironia para criticar, sempre com humor, os percalços da história. Seus textos, frequentemente escritos de forma coloquial, aproximam e divertem muito o espectador de teatro.
Consuelo de Castro (1946-2016)
Consuelo de Castro é uma das dramaturgas mais premiadas do teatro brasileiro. Uma de suas obras mais conhecidas, À Flor da Pele, foi retratada em filme de 1976, com a participação dos grandes atores Juca de Oliveira e Beatriz Segall. Esse texto narra o embate de ideias entre uma estudante de teatro e um intelectual de esquerda, diálogos permeados de muito amor. Outra curiosidade a respeito da autora: ela foi responsável pela tradução da peça Hair, clássico norte-americano, na montagem que, entre nós, teve direção de Antonio Abujamra, em 1987. No mais, é importante ter em mente que Consuelo fez parte de uma geração que sofreu muito com os anos terríveis da ditadura militar, inclusive tendo que driblar a censura da época.
Hilda Hilst (1930-2004)
Além de dramaturga, Hilda Hilst foi ficcionista, cronista e poeta. Pode-se dizer que é uma das maiores escritoras brasileiras do século XX. Há muito que falar de sua obra, existindo farto material a esse respeito no site do Instituto Hilda Hilst. Sobre a origem da sua obra teatral, a autora explicou: “Nós vivemos num mundo em que as pessoas querem se comunicar de uma forma urgente e terrível. Comigo aconteceu também isso. Só poesia já não me bastava. A poesia sofre um desgaste terrível. A gente diz as coisas, mas as edições, além de serem pequenas, vendem pouco. Então procurei o teatro. Procurei conservar nas minhas peças certas dignidades da linguagem.” Além disso, não posso deixar de citar os vídeos da cantora e atriz Cida Moreira a respeito de Hilda Hilst (estão no YouTube). Vale conferir.
Leilah Assumpção (1943)
Leilah Assumpção é uma das autoras sobre quem, particularmente, tenho maior curiosidade. Sua peça de estreia foi Fala Baixo Senão eu Grito, em 1969. Encenada inicialmente em São Paulo, sob a direção de Clóvis Bueno, a montagem acabou premiada com Molière e APCT (Associação Paulista de Críticos Teatrais), na categoria Autoria. Assim como Consuelo de Castro, Leilah é da geração de autores que emergiram no fim dos anos 1960, podendo também ser considerada uma das mais censuradas naquele tempo. A autora é responsável pela criação de personagens femininas emblemáticas da dramaturgia nacional. Entre outras obras, estão: Roda Cor de Roda, Seda Pura e Alfinetadas, Amanhã, Amélia e De Manhã.
Maria Adelaide Amaral (1942)
Em relação à Maria Adelaide Amaral, tenho afeto especial! Em 2018, enquanto fazia a bilheteria de uma das peças do Grupo TAPA – não me lembro ao certo qual delas era – tive o prazer de ser a ela apresentada e trocar algumas palavras com a autora. Sua obra é muito importante para o teatro brasileiro. Na realidade, Maria Adelaide nasceu em Portugal e veio para o Brasil aos 12 anos de idade. Entre suas peças mais importantes, podemos referir: Bodas de Papel, uma de suas primeiras obras, O Abre-alas, De Braços Abertos e Minha Querida Mamãe – todas ganhadoras do Prêmio Molière. Além de uma trajetória estruturada no teatro, a autora tem vasta carreira na televisão brasileira, especialmente com minisséries. Também foi coautora de telenovelas de sucesso, como: Meu Bem, Meu Mal, Anjo Mau e A Próxima Vítima.
Maria Clara Machado (1921-2001)
Provavelmente muitos já ouviram falar dos textos de Maria Clara Machado. A autora é responsável por mais de 25 peças infantis; entre as mais famosas pode-se citar: Pluft, o Fantasminha, O Cavalinho Azul e A Bruxinha Que Era Boa. Trata-se de grandes obras para o público infantil, mas de alta relevância para a dramaturgia brasileira, podendo ela ser considerada a maior dramaturga infantil do país. Além de seu protagonismo nessa área, Maria Clara Machado fundou uma das escolas de formação de atores mais importantes para o teatro nacional, o Tablado. Foi em 1955 que o Tablado apresentou Pluft, o Fantasminha, que recebeu os prêmios de “Melhor Autor” e “Melhor Espetáculo”, da Associação Paulista de Críticos de Teatro.
E, por fim, gostaria de citar outros nomes que, pela qualidade do trabalho que vêm desenvolvendo, devemos acompanhar bem de perto: Paola Prestes, Angela Ribeiro, Silvia Gomez, Dione Carlos, Cristiane Sobral, Ave Terrena, Solange Dias e Paloma Franca Amorim. Podemos acompanhá-las pelas redes sociais para ficar a par de seus novos projetos e textos!
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.