Esta é a 13ª coluna que escrevo para Vogue Gente. Fiquei pensando em alguns temas que poderia abordar, mas estava com a sensação de que nenhum deles se encaixaria como o polêmico número 13. Superstição ou não, o número 13 é responsável por opiniões diversas e contraditórias: há quem diga que é sinal de “mau agouro”; já, outros, acreditam ser sinal de boa sorte. Vai do gosto do freguês. Assim, nada mais pertinente: desta vez falarei sobre as superstições no teatro!
Quando eu era criança, e comecei a estudar teatro na Casa do Teatro (escola dirigida pela atriz Lígia Cortez), logo na minha primeira peça, inventei um ritual que parece que me acompanhará pela vida toda: antes de começar qualquer apresentação, imagino que estou abrindo um grande zíper no ar, que vai do topo da minha cabeça à ponta dos meus pés. Depois de aberto, dou um passo à frente, como se estivesse passando para o outro lado e, para finalizar, fecho esse grande zíper invisível, deixando o mundo real para trás.
Aos 10 anos, quando inventei esse ritual, lembro de pensar que só assim passaria a ser, inteiramente, a minha personagem pelas horas que estavam por vir. Por mais que possa parecer bobagem de criança, incorporei essa superstição ou ritual e, até hoje, se eu não fizer essa espécie de passe de mágica para dentro do mundo imaginário do teatro, fico com a sensação de que algo vai sair errado ou estarei em risco ao desempenhar meu papel no espetáculo. Portanto, dito e feito: toda peça, antes de iniciar a minha participação, lá estou eu na coxia abrindo o meu zíper gigante, mas que só eu enxergo.
Cada ator tem seu próprio ritual – posso afiançar que quase todos têm –, e, como disse em uma de minhas colunas, Como é ser contrarregra por um dia, é muito interessante perceber cada um deles. Desde ascender sempre um incenso ao chegar no camarim, rezar antes da peça começar ou entrar no palco com o pé direito. Os rituais são variados. Mas, para além das manias de cada artista, existem superstições que se estendem para todos que trabalham com as artes dramáticas e passam a integrar o meio teatral.
Quando decidi que abordaria este tema, fiquei muito curiosa e comecei a pesquisar bastante sobre o assunto. Acreditem, existe uma infinidade de superstições relacionadas ao teatro. Acho que, por ser considerado um lugar mágico e, para muitos, até sagrado, o teatro “pede” ações dessa natureza. Escolhi apenas algumas para contar aqui, mas – para quem se interessar – vale aprofundar a pesquisa (dica: pesquisem sobre “aquela peça escocesa”).
Vamos a elas:
A primeira que gostaria de abordar, e que me parece ser a mais conhecida e amplamente difundida é a famosa expressão “merda!”. Desejar “merda”, para todos que estão prestes a realizar um espetáculo, é a melhor atitude que se pode ter. O termo, como desejo de boa apresentação, nasceu, provavelmente, diz a lenda, na época em que o público ainda se locomovia para os teatros por meio de carruagens puxadas por cavalos. Assim, quando era noite de casa cheia, a entrada dos teatros ficava cheia de excremento animal.
Consequentemente, muita “merda” é sinal de plateia lotada, sucesso, ótima peça e muito boa sorte! Mas, tem um porém: sempre que alguém te desejar “merda” é terminantemente proibido agradecer. Seria um sacrilégio. O máximo que se pode fazer é devolver a “merda” na mesma medida, pois essa é a tradição no meio artístico – e ninguém vai querer que os Deuses do teatro fiquem zangados e queiram mudar o rumo dos acontecimentos que estão por vir.
Outra superstição – e que particularmente acho uma das mais legais – é a que envolve a “galharufa”. A palavra galharufa pode ser associada a palavras como geringonça, traquitana ou gambiarra. Seria, talvez, uma espécie de amuleto. Mas, no teatro, a galharufa representa um “ritual de passagem”. O jovem ator ou atriz, quando se inicia na vida teatral, deve pedir a um ator consagrado a galharufa. Desse modo, ao receber sua galharufa, o ator principiante ganha um padrinho no teatro e pode se iniciar na profissão. É realmente emocionante quando esse momento acontece, e fica sendo uma espécie de batismo: “a partir de agora, você novato, passa a integrar o nosso mundo!”
Para finalizar, algo que sempre me instigou: muitos acreditam que, depois que a temporada de uma determinada peça chega ao final, as personagens encenadas viram fantasmas, que, por sua vez, ficarão vagando para sempre nos teatros em que ganharam vida um dia. Às vezes tenho um ligeiro calafrio ao pensar nisso, mas, ao mesmo tempo, essa mística cria uma imagem belíssima, sobre vidas que vão e vem, povoando os teatros de personagens. Imagine-se um encontro dos fantasmas de Julieta (de Romeu e Julieta, de Shakespeare) e Glorinha (de Perdoa-me por me Traíres, de Nelson Rodrigues). O que não diriam sobre nós, e que comentários fariam sobre a própria arte de representar…
Como diz o personagem Próspero, no Ato IV, em A Tempestade, de Shakespeare: “Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores; dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. E tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se, como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono.”
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.