Na quarta-feira passada, dia 07 de julho, participei de uma live no perfil Cine Garimpo (@cinegarimpo), do Instagram. A ideia da conversa era falarmos sobre Teatro e Cinema, e as intersecções que se pode fazer entre estas duas artes grandiosas. E, podem ter certeza, são muitas! Conseguimos falar um pouco sobre algumas adaptações de peças que foram transpostas para o cinema; como, por exemplo: a peça ‘O Pai’, que deu origem ao filme ‘Meu Pai’, de 2020; e A Voz Suprema do Blues que, em 2020, ganhou sua versão nas grandes telas. Também falamos sobre os processos de criação em cada um destes universos e sobre o filme Anna, que está em cartaz e pode ser visto nos cinemas, mantido o distanciamento e todos os demais cuidados.
O filme Anna conta a estória do processo criativo de uma jovem atriz, Anna, para representar Ofélia no teatro, personagem de Hamlet, entre os mais importantes textos da dramaturgia de todos os tempos, escrito por Shakespeare. O tema principal da trama é a relação abusiva a que Anna é submetida pelo diretor da peça – assunto importantíssimo e que deve ser discutido com mais frequência! Enfim… Fiquei pensando muito nos últimos dias nessa correlação de formas artísticas, o que me fez perceber que o cinema, certamente, pode ser uma ferramenta poderosa para aproximar o público também do teatro.
Quando comecei, em 2017, a estudar teatro no Grupo TAPA, com o grande diretor Eduardo Tolentino de Araujo, era comum ele me perguntar se eu já havia assistido a um filme ou outro, como forma de me guiar ao que um artista tem de conhecer para lhe servir de referência, inspiração e desenvolvimento cultural. Quase sempre, um pouco envergonhada, dizia eu: “ainda não…”. Ele, como quem brinca falando a verdade, respondia: “Então você precisa assistir para que a gente possa conversar!” Depois de algumas repetições dessa mesma cena, já bem sem graça, perguntei se ele poderia me passar uma lista inicial de filmes imprescindíveis. Assim, tive acesso a um rol de mais de 40 títulos clássicos. Fiz a lição de casa. E, dentre eles, na coluna de hoje, gostaria de destacar três: A Malvada/All About Eve (direção de Joseph Leo Mankiewicz); O Boulevard do Crime (direção de Marcel Carné); e Funny Girl (direção e William Wyler).
Mas o que essas obras têm em comum? Elas falam, cada uma a sua maneira, de teatro. Isto é, nestes casos, o teatro é transportado para o cinema e, assim, por meio da sétima arte, o espectador pode se tornar mais íntimo da expressão teatral.
A Malvada, filme de 1950, – um dos meus preferidos – retrata a estória das personagens Eve Harrington (Anne Baxter) e Margo Channing (Bette Davis). Margo é uma importante atriz de teatro, mas, ao passar dos quarenta anos de idade, se vê em um momento delicado, ao perceber que muitas personagens já não lhe cabem mais. Assim, a jovem ambiciosa, Eve, tenta assumir, sutilmente, a carreira e vida amorosa da grande dama. A cena que mais gosto desse clássico da cinematografia, acontece quando a personagem de Bette Davis encontra a jovem atriz com seu figurino, imitando uma das falas da peça – genial!
Já, em O Boulevard do Crime (1945), que trata da vida de artistas de rua, temos a figura excepcional do mímico Baptiste. Ele, o ator Frédérick Lemaître e alguns outros personagens, acabam se apaixonando pela atriz Garance. Trata-se do famoso triângulo amoroso imortalizado pela Commedia dell’Arte: Pierrot (Baptiste), Arlequim (Lemaître) e Colombina (Garance). A cena mais emblemática é, para mim, aquela que, em meio a uma de suas apresentações, Garance brada: “Baptiste!”, quebrando o silêncio sepulcral instaurado na sala de espetáculo. Realmente emociona.
E, por fim, Funny Girl. Entre os que mais apreciei, o filme, de 1968, conta a estória de uma jovem que almeja ser atriz – personagem interpretada pela maravilhosa Barbra Streisand. Ao longo dessa jornada, ela se apaixona por Nicky Arnstein (Omar Sharif), e, enquanto sua carreira vai e vem (como, aliás, retrata a realidade dos artistas), a vida amorosa parece não colaborar. Para quem gosta do gênero musical, este filme tem como trilha sonora as famosas canções My Man, People, Don’t Rain On My Parade Funny Girl, e outras mais.
Não sei se me fiz entender, mas, como abordado em minha coluna anterior, sigo com a convicção de que, neste momento, indicações de obras de arte, sejam elas de teatro, cinema, literatura, música, não importa o que seja, são uma boa pedida para espantar nossos males, que ainda vão perdurar por um tempo, apesar do necessário otimismo. Tomara que possamos levar desses dias sombrios o hábito de cultivar as artes vida afora.
Sigamos firmes e fortes e, como aconselha a personagem de Bette Davis em A Malvada: “Apertem os cintos. Vai ser uma noite conturbada.” Quem me dera fosse apenas uma noite…
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.