De um lado Macabéa, personagem fictícia do lendário romance A Hora da Estrela, escrito por Clarice Lispector. De outro, Sidney Magal, personalidade da música nacional. Mas o que essas figuras distintas têm em comum? Ambas estão sendo interpretadas nos palcos do teatro musical paulista.
Ao longo das entrevistas com os protagonistas das peças, foi possível sentir como tem sido impactante para estes três artistas interpretar essas personagens no teatro – e como essa emoção chega para o público! Confira a seguir.
Sidney Magal – Muito Mais que um Amante Latino
Os atores Luis Vasconcelos e Juan Alba interpretam Magal em Sidney Magal – Muito Mais que um Amante Latino. Luis Vasconcelos na fase jovem e Juan Alba em sua maturidade. O sucesso do cantor aconteceu na década de 1970, quando o artista apostou em estilo excêntrico, banhado de referências disco e latinas.
Já tinham tido contato com a obra de Sidney Magal?
Luis Vasconcelos: Quando tinha uns 14 anos, meu cabelo começou a ficar grande, cacheado, falavam que era parecido com Sidney Magal. Então comecei a escutar suas músicas e a brincar de imitá-lo. Em 2019, surgiu a possibilidade de uma audição para o musical Silvio Santos Vem Aí, em que havia a personagem de Sidney Magal, mas acabei não pegando o papel. Assim, decidi estudar mais, fui a fundo em suas músicas e história.
E, na hora certa, consegui o papel, dessa vez, para o próprio musical sobre a vida dele. Inclusive, tive a oportunidade de conhecê-lo ao longo deste processo. Fui assistir a um show e, ao final, pude entrar em seu camarim. Estava tremendo, ansioso, nervoso… imagina, conhecer a pessoa que estava pesquisando há mais de um mês! Mas ele é tudo que já tinha ouvido falar: uma pessoa calma, amorosa. Ele disse: “Senta aqui comigo!”. Fiquei superconfortável ao seu lado. Conversamos bastante e pude entender quem era Sidney Magalhães – pai de três filhos, agora avô, que é ainda mais do que o amante latino que todos conhecem. No dia em que apresentamos o espetáculo para ele e sua família, a emoção estava a mil! Tentei não pensar nisso, senão não iria conseguir subir no palco.
Juan Alba: Em minha juventude, costumava ouvir muita música. E Sidney Magal não parava de tocar nas rádios – um grande sucesso. O trabalho dele me chamava muito a atenção, uma voz extremamente marcante. E, uma curiosidade é que, assim como o Luis [Vasconcelos], na minha adolescência também me achavam muito parecido com Sidney Magal. Então é muito incrível, anos depois, poder contar sua história no teatro. Conhecia seu lado artístico, mas não sua história – o que me fez admirá-lo ainda mais.
Acho louvável a postura que Magal tem diante de sua vida artística, o fato dele não valorizar apenas os momentos de glória, mas também os baixos. Magal, mais do que um artista, é uma pessoa como todo nós. A vida é de altos e baixos, inclusive, nossos corações batem assim. Me identifiquei muito com as opções que ele tomou ao longo da carreira, relacionadas à sua família. Isto porque, também optei pela família em primeiro lugar; a paternidade foi algo fundamental em minha vida. Além de tudo isso, Sidney Magal tem paixão pela vida.
Como é encarnar essa figura?
JA: Sidney Magal é um ser quase inimitável. Assim, foquei em me aprofundar na aura que tem, na energia que emana. É claro que o figurino e visagismo ajudam muito a chegarmos lá. Percebi que atores que interpretam algumas dessas personalidades pegam sempre alguma característica delas para salientar. No meu caso, percebi a maneira que ele gesticula com as mãos ao falar, além da fala muito articulada. Mas, como Luis interpreta a fase inicial da personagem, me ative em observá-lo para nossas interpretações terem uma unidade. E, no final das contas, teatro é trabalho de grupo. Encarnar Sidney Magal está sendo um grande desafio – ele concentra uma infinidade de particularidades.
A Hora da Estrela – O Canto de Macabéa
A atriz Laila Garin (que já interpretou a grande Elis Regina nos palcos) agora representa Macabéa, uma das últimas personagens criadas pela genial escritora Clarice Lispector. Publicado em 1977, o romance A Hora da Estrela deu vida a essa personagem que inunda o imaginário brasileiro.
Qual a importância da Clarice Lispector em sua vida?
Laila Garin: Fui uma adolescente ousada e, de cara, li A Paixão Segundo GH (de Clarice Lispector, publicado em 1964). À época, achei sombrio, forte, e pensei que estivesse apreendendo tudo daquela leitura. Mas, com o passar dos anos, entendo que minha compreensão e apreensão dessa obra é muito maior. Antes de achar sombrio e melancólico, entendi ser essa obra a demonstração de um amor muito grande de Clarice pela vida. Ela via poesia em cada detalhe do cotidiano. Em relação à A Hora da Estrela, já havia lido o livro, mas não me lembro quando ao certo.
Como é a personagem Macabéa?
É uma nordestina, de Alagoas, que vem morar no Rio de Janeiro. Trabalha como datilógrafa, tem uma vida bem pobre. Mas não tem muita noção disso. Ela não tem muitos atributos: não é bonita, deve ser uma datilógrafa medíocre, por escrever mal, não tem nenhum grande sonho. E, ao mesmo tempo, ela é muito ingênua, até tem uma vida interior, mas não tem noção disso. Ela é feliz, porque pensa que todo mundo é obrigado a ser feliz. Não tem noção da própria desgraça, acha que não tem valor algum e direito a nada. Ela não deseja nada, pois acha que as coisas são dos outros – aprendeu assim. Ela vive em uma repressão interna.
É como se Macabéa fosse invisível, mas não é reativa quanto a isso – não se vitimiza, não tem pena de si, não sente raiva do outro, pois não tem consciência. E é sobre essa mulher que queremos falar, pois ninguém olha para ela. E, ao longo da peça, assim como acontece no livro, o espectador vai torcendo por ela… mas não vou dar spoilers. Todo o trabalho é sobre empatia, esse olhar para o outro. E, além de tudo, Macabéa tem paz interior, foi com ela que aprendi que isso existe.
A trilha da peça é de Chico César. Como foi esse processo de criação?
Nosso diretor, André Paes Leme, fez a adaptação do livro para a peça. Ele é expert nessa linguagem: o romance em cena. É uma coisa que Aderbal Freire Filho também faz, muito. André adaptou A Hora da Estrela para o teatro, mas sem virar literatura dramática. Isto é, “falamos” o romance em sua forma original, em terceira pessoa – mas não como narrador, e sim, como personagem. É uma peça, às vezes, triste, mas de grande beleza e graça, por suas músicas e estética, de linguagem verdadeiramente especial. O público sai do espetáculo, pelo que tenho visto, com muita alegria de viver.
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Talvez, Magal pudesse dizer à personagem Macabéa: “Quero vê-la sorrir, quero vê-la cantar, quero ver o seu corpo dançar sem parar…” Não deixem de ir ao teatro!
A Hora da Estrela – O Canto de Macabéa. Teatro Vivo – Avenida Dr. Chucri Zaidan, 2460, São Paulo – SP. De 3 de novembro a 11 de dezembro (exceto no dia 17/11).
Sidney Magal – Muito Mais que um Amante Latino. Teatro Porto – Alameda Barão de Piracicaba, 740, SP. De 25 de novembro a 11 de dezembro.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.