Segundo o dicionário entressafra é o período intermediário, subsequente entre uma e outra safra de determinado produto, sendo que, a duração da entressafra também muda dependendo do lugar e do tipo de cultura. Pode durar meses ou anos. Em teoria seria uma período de descanso, onde se prepara o próximo plantio.
E o que fazer no período de entressafra? Segundo o “senhor de todas as respostas”: ( G . . g . e )
-Manutenção planejada no maquinário;
-Planejar estrategicamente a operação;
-Organizar as finanças do negócio;
-Aplicar a adubação verde;
-Estudar sobre pragas e doenças agrícolas;
-Investir em capacitação;
-Atentar-se às novas tecnologias.
Sete itens de aumento da produtividade, soluções, gerenciamento; o mundo ideal. Gostei especialmente do item “organizar as finanças do negócio”, e penso que a vida pode ser boa, pra quem tem dinheiro (riso nervoso).
Já que “o Agro é tec, é pop, é tudo”, peguei a carona do agro para refletir sobre nós. É nós! Os produtores e produtos da arte.
Desde quando artistas passaram a ser produto? Oiee… TUDO, TODAS, TODOS E TODXS, todos somos produtos. Amorrr! o capitalismo deu certo!! Alguns produzem conteúdo, outros consomem conteúdo. Relações mercadológicas. Artistas vendem a imagem, o corpo, o namoro, o sofrimento, a academia… não estou criticando, também quero vender! Me chama no meu arroba. Enfim, alguns MUITOS choram, outros POUCOS fabricam lenços. Já chorei muito, agora quero “rosetar”.
Voltando… Desculpe, esse artigo é sobre T E A T R O. É essa minha tendência a assuntos “polêmicos”, que me tira do foco. Ah… e principalmente, pago aluguel sem ter salário, tenham paciência!!! Isso para o pobre É uma questão “polêmica existencial”.
Voltando 2… O sinônimo de entressafra é: digressionar, discorrer, divagar, vaguear, derivar, devanear, passear, perambular, vagar, viajar, extravagar. Confesso que as palavras que mais gostei foram passear e viajar, mas como diz o poeta “sonhar já é alguma coisa, mais que não sonhar” (riso super nervoso).
Como viajar não “vai estar rolando”, resolvi devanear. Eis que veio à minha mente o inominável irlandês Samuel Beckett (1906-1989), dramaturgo, poeta, romancista, cronista; seus escritos dramáticos são praticamente a pedra fundamental do que o professor de arte dramática e crítico húngaro Martin Esslin (1918-2002) denominou como teatro do absurdo – movimento teatral do pós segunda guerra mundial, caracterizado pela exposição de situações banais e absurdas inseridas na realidade cotidiana, construções verbais sem sentido, frases feitas, comicidade. Personagens desolados, solitários, incomunicáveis. Falam por falar, reagem por reagir, vivem por viver, não, não, ainda não existia o celular, mas a incomunicabilidade humana vem de longe, assim como a ameaça existencial; ios, android, agro pegando fogo, viciantes Bets, coach transloucado candidato a prefeito e por aí vai… ABSURDO.
O lado bom da entressafra é que a gente pensa! Ou não.
Uma das peças que mais amo de Beckett é “Dias Felizes” (1961), na qual a personagem Winnie diz a frase que pra mim, sintetiza uma era: “hoje foi um dia bom, igual a todos os outros, apesar de tudo!”
Winnie no primeiro ato está enterrada até a altura da cintura, apesar disso, ainda consegue manipular objetos, realizar pequenas ações (escovar os dentes, passar batom), garantir a gesticulação dos braços, além de poder falar. Ela se expressa com um extenso monólogo de argumentação vazia, que lhe desvia da percepção da passagem implacável do tempo. Momento após momento busca se comunicar com Willie, seu marido, que sempre lacônico, lendo jornal, arrasta-se de quando em quando para seu buraco.
No segundo ato ela está enterrada até o pescoço, agora só é possível falar e movimentar os olhos, como se tivera sido devorada pela terra. Um revólver se mantêm entre eles nos dois atos, mas eles não usam. No final Willie grunhe e Winnie canta uma melodia saída de uma caixinha de música. Uma canção de amor.
O absurdo das cenas de “Dias Felizes” nos coloca de frente às muitas situações absurdas nas quais vivemos diariamente.
Para minha alegria, tive a oportunidade de assistir em 1995, Fernanda Montenegro e Fernando Torres encenando “Dias Felizes” sob a direção de Jacqueline Lawrence, insuperável. Tempo bom! entressafra também é saudade…
Como bem nos disse o poeta Ferreira Gullar (1930-2016), “A arte existe porque a vida não basta”
Eu pergunto: O que seria dessa vida absurda sem a arte?
Eu respondo: Talvez uma eterna entressafra (nenhum riso)
Nota: As informações e opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu/sua autor(a), cujo texto não reflete, necessariamente, a opinião do INFOTEATRO.