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Natália Beukers: “No teatro encontrei a forma mais verdadeira de tentar entender a vida”

Coluna Por Natália Beukers

Desde 16 de abril de 2021 escrevo para Vogue no segmento Gente – tem sido incrível. Além de escrever sobre teatro, realizei entrevistas com grandes artistas sobre seus espetáculos, vidas, realizações, anseios, enfim, tudo aquilo que gira em torno da milenar arte de representar nos palcos.

Desta vez, para comemorar a 50ª publicação, pensei que poderia fazer algo diferente, e, desse modo, falar um pouco sobre como tem sido para mim essa experiência

NATÁLIA BEUKERSPor que entrevistar a si mesma?

NATÁLIA BEUKERS: Porque tenho vontade de responder perguntas que a mim nunca foram perguntadas.

Mas quem teria interesse em ler tais respostas?Não sei… talvez você. O ponto é que se trata da minha 50ª coluna! Intuo que possa ser um exercício interessante dividir com os possíveis leitores a experiência de poder escrever sobre o que se ama; no meu caso, teatro. Quem sabe não consigo inspirá-los a também escrever sobre o que gostam ou, melhor ainda, a gostar de teatro?

Certo, mas vamos ao que interessa. O que você aprendeu ao escrever 50 textos neste espaço dedicado a falar sobre a arte de representar?
A primeira lição que aprendi é ter um certo desprendimento… Muitas vezes é preciso abandonar ideias que, a priori, pareciam brilhantes e, definitivamente, não eram. Mas, também, é preciso não temer o risco. Exige-se uma certa dose de coragem. Ou seria imprudência? Bem, o dia de entregar o texto para ser publicado, de início, está longe, mas chega e é preciso tê-lo concluído. Além disso, é imprescindível “refinar a percepção para melhorar a afinação” – como diria minha professora de canto, a grande Cida Moreira. Há quem diga que escrever é saber cortar. E nisso há muita verdade.

O que é mais difícil ao escrever?
Começar. Esse, o ponto mais complicado de ultrapassar. Sempre é uma luta a ser vencida. As palavras começam a se amontoar no pensamento, como se formassem uma pilha de roupas sujas para serem lavadas. Há palavras, ideias, que estão na cabeça há muito tempo, loucas para serem expulsas e preencherem a folha em branco – desde muito tempo substituída pela não menos enigmática tela limpa do Word. De início, não posso, sequer, passar os olhos no que escrevo na introdução, pois qualquer movimento abrupto será desculpa para recomeçar e não sair do lugar. A maior aflição é que, ao começar, já se tem ideia do que se deseja escrever. E aí, ao registrar as primeiras palavras ou linhas, vem a autocrítica; e a repressão à espontaneidade, que em certa medida é necessária, mas, ao mesmo tempo, perversa. Será que vou agradar a alguém com o texto desta semana?

Assim, a princípio, devo pensar que não escrevo para alguém em particular e quem sabe escreva para mim mesma, pois ter em mente o público leitor, não raras vezes, altera a nossa forma de pensar e escrever – pelo menos a minha. O outro – neste caso, a leitora e o leitor – torna-se um vetor que me faz repensar, retrair, mudar, buscando ser compreendida. E nesse momento estarei a um passo do abismo… Um leve desequilíbrio pode ser fatal. Porém, talvez a chance, quiçá a única, de conquistar um leitor interessado ou uma admiradora para o teatro seja exatamente dar asas à emoção. Permitir-se a alguma criatividade. Extrair o texto não apenas do intelecto, mas deixá-lo brotar do sentimento. E, depois, com a primeira versão, reescrever, cortar, reler, cortar mais, reler e conferir, até o último minuto.

O que é mais prazeroso ao escrever?
A escrita tem me acompanhado nos últimos tempos, de forma a apaziguar minha mente. Percebo que hoje a elaboração de textos faz parte do meu impulso criativo. Mas como não reparei antes que as palavras sempre estiveram ao meu lado? Elas começaram a aparecer, para mim, de forma tangencial, gradativa. Mas, agora, está posto: é preciso escrever. Voltando ao raciocínio da pergunta anterior, ao mesmo tempo em que escrevo, inicialmente para ninguém especificamente, escrevo para muitas pessoas e, sendo assim, fica mais divertido… Qual a graça de escrever somente para si, não é mesmo? É preciso prezar pelo público leitor.

Mas o assunto da coluna não é a escrita propriamente; ela é apenas o veículo necessário para atingir meu objetivo principal, que é falar de teatro, divulgar o teatro, formar público para o teatro, mostrar para as pessoas que essa arte pode ser profunda sem ser hermética, uma maneira de escapar do cotidiano massacrante, mas, ao mesmo tempo, de refletir sobre tudo. É a arte que recria “a vida como ela é”, na expressão do inigualável Nelson Rodrigues… O que pode ser mais intenso e divertido que isso? É preciso dar o primeiro passo, ir ao teatro e se deixar capturar para sempre. Todos sabemos que não se pode gostar daquilo que não se conhece.

Como tem sido entrevistar tantos artistas? Dos 50 textos escritos, 26 foram entrevistas com atores e atrizes, diretores e diretoras, produtoras…
É uma das partes mais desafiadoras deste trabalho. Como, verdadeiramente, ouvir o outro… O impressionante é que – sempre tendo gostado muito mais de falar – tenho cultivado, a cada entrevista, o prazer real de ouvir. É muito interessante perceber como cada entrevistado se expressa de forma diferente e traz sua contribuição: o ritmo muda completamente de um papo para o outro. Como aprender a adaptar a escuta às diferentes personalidades… E, nada melhor para o amante do que falar sobre o objeto do seu desejo. Falar com tantos artistas do teatro e sobre teatro tem sido, para mim, um aprendizado constante, verdadeiro deleite.

Assim como costuma perguntar a todos os entrevistados, o que o teatro te ensinou de mais importante?
São tantas as possibilidades de respostas. Poderia dizer que tudo… Se pararmos para pensar, tudo há no teatro e há teatro em tudo. No entanto, esta seria uma conclusão demasiadamente ampla. Lembrei de Abujamra (o saudoso Abu), que ao final de suas maravilhosas entrevistas para a TV Cultura, procurava extrair do convidado da vez: “Afinal, o que é a vida?”. E, fosse qual fosse a resposta, ele repetia: “Mas o que é a vida?”. Percebo neste momento que é melhor perguntar que responder… Mas não vou fugir da resposta. Para mim, o teatro mimetiza aquilo que somos; logo, o teatro ensina o que é a vida. A vida é o teatro, e assim tem sido para mim.

Então vamos simplificar: cite algo que é preciso levar do teatro para a vida?
O improviso. Embora o teatro seja a arte da disciplina, da encenação refinada pelo ensaio e a repetição, gostaria de citar a capacidade de lidar com o imprevisto. Controla-se tanto a vida, que se desaprende a lidar com o inusitado, o surpreendente. Assim como o ator lida com uma fala esquecida, com a risada da plateia em momento inoportuno, com o objeto cênico que vai acidentalmente ao chão ou que não está na marca correta para a cena – afinal, o teatro é uma arte viva (não dá para rebobinar a fita) –, é preciso estarmos abertos ao novo, ao não programado. Permita-se se surpreender e, assim, a improvisar!

Você faz isso?
Mas é claro… Contudo, nesta parte, ao estilo Tim Maia, não conte com a minha sinceridade (rsrs).

E o que não levar do teatro para a vida?
Não acho que há algo que não se deva levar do teatro para a vida… Entretanto, há um aspecto interessante que diferencia a vida do teatro, e que posso salientar. No teatro, ao interpretarmos uma personagem, temos conhecimento do começo, meio e fim de sua trajetória. Na vida, sabemos, apenas, do passado e convivemos com a instantaneidade do momento presente. Assim, ao dar vida a uma personagem, pode-se escolher como ela será a partir do todo, da sua história completa, enquanto na vida cada dia é um passo rumo ao desconhecido.

Agora, uma pergunta, para descontrair…
É preciso?

Sim! Diga algo ridículo que já tenha feito no teatro.
Se é assim, posso falar duas?

Claro.
Desde muito nova, observo as mãos das atrizes. Os trejeitos, a expressão dos gestos… Sempre me impressionei com os dedos longos e finos de algumas grandes intérpretes, o que apelidei de “mãos de atriz”. Na última peça da qual participei, esticava as mãos até mais não poder, para parecerem suficientemente longas, mas, obviamente, não obtive êxito. Outro fato que gostaria de revelar – esse, bem ridículo –, sempre, nos agradecimentos, ao final de qualquer espetáculo, tentava transparecer o sentimento oposto ao que representava na última cena.

Isto é, se minha personagem terminasse triste, o agradecimento era feliz, sorridente; se terminasse alegre, reaparecia para agradecer com expressão solene. Assim, todos poderiam concluir: “que boa atriz, como ela é diferente em cena!” Bobagem pura… O público não se deixa levar assim facilmente. O que verdadeiramente importa é a qualidade da representação. E, sendo boa, haverá reconhecimento, naturalmente, sem necessidade de artifícios…

Por que diz ‘minha’ personagem, no feminino?
É opcional na língua portuguesa. Na maior parte das vezes utilizamos terminações masculinas. Então, por que não usar?

Tem algo mais que gostaria de dizer?
Sim, uma infinidade de coisas! Mas, para isto, aguardo ansiosamente o ano que vem e o que estará por vir nas próximas colunas.

***********

No fechar das cortinas e apagar dos refletores, desejo um ótimo final de ano para você – leitora e leitor! Que em 2023 possamos encontrar no teatro uma forma de deixar a vida mais intensa e bela. Como disse em meu primeiro texto desta jornada: “No teatro encontrei a forma mais verdadeira de tentar entender a vida” – e, assim, lá se foram 50 colunas…

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz e criadora do Portal Infoteatro, formou-se em Direito pela PUC-SP (2020). Começou a estudar teatro aos 10 anos, formando-se como atriz em 2017. Entre 2017 e 2021, estudou com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”, além de ter sido assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. Professora de teatro desde 2022, atualmente cursa licenciatura no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Embaixadora do Teatro B32, também já colaborou com a Folha de S. Paulo e com o segmento 'Vogue Gente', da Vogue Brasil, entre 2021 a 2023, onde publicou mais de 50 textos sobre teatro. Desde a criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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