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Norma Blum comanda a direção do espetáculo ‘Amantes Irmãs’

Coluna Por Natália Beukers

E se reaparecesse, na sua vida, um irmão que você não vê há mais de 20 anos e que, agora, revelou-se mulher transexual e profissional do sexo? E se descobrisse que ela é amante do seu marido? A partir disso, três irmãs (Ariel, Carmem e Inês), decidem torturar e assassinar o rapaz infiel. Este é o cenário da peça Amantes Irmãs, de Fellipe Defall, que estreou em 2 de junho, no espaço alternativo Cabaret da Cecília, no centro de São Paulo.

A montagem é dirigida por ninguém menos que a atriz Norma Blum – com mais de 70 anos de carreira. Sobre o espetáculo, a diretora afirmou: “A peça lida com a hipocrisia da sociedade”.

Confira, a seguir, o nosso bate-papo:

VOGUE: Norma, qual é a sensação ao olhar tudo o que você realizou em sua carreira?
Norma Blum: Sinto satisfação. Comecei muito cedo, na TV Tupi do Rio de Janeiro, aos doze anos; depois não parei mais. Na pandemia é que paramos um pouco a atividade no teatro. Mas fiz duas leituras, por lives, de textos de minha autoria. Um dos textos é musical, Arena de Espelhos, todo escrito em verso. O outro, escrito junto com a poetiza Sheila Gomes, é uma comédia: De Bruxo e Louco, Todo Mundo Tem um Pouco. Aqui e ali, nós vamos fazendo algumas coisas dentro da nossa função de ator. Acabei falando mais sobre o presente…

E o novo projeto Amantes Irmãs, como surgiu?
Durante a pandemia, o autor Fellipe Defall me convidou para dirigir a peça que escreveu, Amantes Irmãs. É um texto muito desafiador, difícil de montar. No início, fizemos ensaios online, o que era frustrante, pois perdíamos o ritmo – pilar importante para o teatro. O que fizemos nesse período foi trabalhar muito os personagens. Mas, neste ano, os ensaios foram presenciais. A peça se adequou muito ao espaço em que vai ser realizada, o Cabaret da Cecília. A minha maior satisfação foi trabalhar com essa equipe de quatro atores, que se esforçaram muito, e com o assistente de direção, Roberto Faria. Outra coisa que quero destacar foi o trabalho de corpo do Diego Micieli.

Fellipe Defall: Nós escolhemos o Cabaret justamente por uma das personagens ser prostituta. Queríamos que o público sentisse essa sensação, não apenas o simples entrar para assistir a uma peça teatral; o público vai entrar no Cabaret onde essa personagem trabalha e vai começar a se envolver nesse universo. O próprio espaço já é um personagem; traz a experiência sensorial.

De onde veio a inspiração para o texto?
FD: Sinceramente, veio da necessidade de montar uma peça e não ter recursos para pagar direitos autorais ou de tradução. Queria trabalhar o texto Entre Quatro Paredes, de Paul Sartre, mas era muita burocracia para conseguir. Depois, pesquisei textos com direitos autorais livres que tivessem relação com o que eu queria falar; não achei. Foi aí que pensei: “Bom, terei que escrever uma peça”.

Cena de Amantes Irmãs (Foto: Rodrigo Calbello / Divulgação)

 

Norma, como é, para você, dirigir um espetáculo?
Por ser atriz, dei atenção especial à interpretação e à posse de cada personagem. Às vezes é difícil o ator se apossar do personagem, mergulhar em outro universo. Para isso, trabalhamos muito com o inconsciente. À medida que fomos fuçando cada personagem, fomos descobrindo camadas internas, ocultas, inclusive as sombras de cada um, o lado negativo. Estudei muito as ideias do psiquiatra [Carl Gustav] Jung, sobre as quais tive oportunidade de trabalhar com os atores nesta montagem. A peça, de forma geral, é sobre ocultamento e desvendamento. Em toda a minha carreira, sempre amei desafios. Essa foi uma das razões mais instigantes para pegar essa tarefa.

Como é trabalhar com outra geração de atores?
NB: Isso é uma pergunta muito difícil de responder. Vejo diferenças entre as gerações, mas não sei até que ponto isto é relevante. Claro que todos os atores são muito mais jovens do que eu, que estou com 82 anos. O que acho que está faltando é fazer os jovens gostarem de teatro. Sou pertencente a uma fase em que o teatro era a glória. Décadas de 50, 60, 70, os teatros eram superlotados. Fazíamos as peças nove vezes por semana, folga era apenas às segundas. Nós vivíamos para o teatro, nossa vida era aquilo: de manhã fazer um exercício, cuidar da casa, dos filhos, da vida, mas, a partir do fim da tarde, era só teatro.

E mais! Quando acabava a sessão, ainda íamos ensaiar peças muito importantes para passar na televisão [o teleteatro]. Era um “constante trabalhar”. É a profissão que escolhemos para a vida. Na verdade, ela que me escolheu, não fui eu que determinei. Amo ser atriz. E amo dirigir.

FD: Sinto que a realidade vem mudando muito. Infelizmente, a realidade da maioria dos atores, hoje, é não conseguir viver de arte. Então é preciso trabalhar em outra profissão para sobreviver. Talvez seja uma visão um pouco trágica, mas receio que isso tenda apenas a piorar, pois o público, em geral, não está interessado em teatro. O que mais tem hoje, em teatro, é peça para ator, ou que o público precise ter um repertório prévio intelectual que, muitos, não têm. Nossa preocupação é fazer uma peça para quem não é de teatro e quem sabe, assim, trazer mais público.

***

Apesar de reconhecermos como é difícil aproximar o público do teatro nestes tempos tecnológicos e virtuais, ainda temos esperança no resgate dessa grande experiência humana.  Como finalizou Norma Blum: “O teatro é fundamental para desvendar nossa alma, para sermos capazes de fazer um mergulho pessoal. E, nesse sentido, o teatro também é terapêutico. A partir dele, é possível descobrir camadas profundas dentro da nossa psique. Além disso, precisamos valorizar o texto teatral, o retrato que certos autores fazem da alma humana, em todos os seus matizes, que serve para aprendermos muito sobre nós mesmos.”

Amantes IrmãsCabaret da Cecília – Rua Fortunato, 35 – Santa Cecília, SP.

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz e criadora do Portal Infoteatro, formou-se em Direito pela PUC-SP (2020). Começou a estudar teatro aos 10 anos, formando-se como atriz em 2017. Entre 2017 e 2021, estudou com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”, além de ter sido assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. Professora de teatro desde 2022, atualmente cursa licenciatura no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Embaixadora do Teatro B32, também já colaborou com a Folha de S. Paulo e com o segmento 'Vogue Gente', da Vogue Brasil, entre 2021 a 2023, onde publicou mais de 50 textos sobre teatro. Desde a criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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