É um fenômeno da inércia aplicada às artes dramáticas: a proporção do surgimento exponencial de premiações, curadores dedicados a forjar e distribuir troféus, blogueiros que espalham medalhas pelos feitos alcançados, tudo isso somado diz respeito à fenomenal oferta do vácuo que se abre para premiar alguma coisa digna de mérito.
Quanto mais festa para celebrar os eminentes realizadores de espetáculos (atores, diretores, dramaturgos, figurinistas, iluminadores e por aí vai), mais espetacularmente colorido é esse território ao mesmo tempo vazio e polvilhado de purpurina onde os vencedores agradecem ao mundo a honra de terem sido lembrados hoje, para serem completamente varridos para debaixo do tapete da glória amanhã.
A atitude equivale a botar uma banquinha de suco gelado no epicentro do deserto do Saara. Beber uma limonada ali seria uma benção, mas, não havendo ninguém para saciar a sede, a limonada se transforma numa ideia no mínimo tonta, e mais tonto ainda é o sujeito que, munido de um altruísmo exemplar, resolve atravessar as dunas escaldantes para prestar um serviço público (mais inteligente, penso eu, seria vender cachecóis na praia de Copacabana, tomando cuidado para não roubar o lugar de fala dos Biscoitos Globo).
Ou, então – e melhor ainda – seria o caso de ter a genial ideia de instalar uma máquina fazedora de gelo ao lado dum glacial na Antártica – Venham! Venham todos aproveitar a promoção! – dois pacotinhos de gelo ao preço de um – venham! Venham todos! Imagino os pinguins fazendo fila para gelar a caipirinha e gritar em uníssono: EVOÉ! ESTAMOS VIVOS! Além da aplicação da lei da inércia no universo científico, o advento é também poético, remonta a famosa fábula do Asno de Buridan: dividido entre beliscar o petisco e lamber o pote de água, o bicho morreu desidratado e raquítico, e feliz por estar provido de tão preciosos recursos.
É uma prova de que o estado de absoluta miséria e mendicância está sempre repleto duma música alegre, contagiante, que nos convida a dançar um ritmo gostoso. Podem reparar: em qualquer condição de inteligência e criatividade não existe nenhuma banda convidando ninguém a entoar coreografias previamente ensaiadas, ninguém repete o refrão coagido pelo entusiasmo do vocalista, raramente a audiência pede BIS, e, uma vez terminado o espetáculo, nenhuma alma benevolente do palco toma o microfone para avisar que NÓS NUNCA MORREREMOS, SEREMOS TODOS AED ETERNUM RESISTENTES AOS TEMPOS SOMBRIOS! NINGUÉM LARGARÁ A GALHARUFA DE NINGUÉM! Mas tudo isso é também um sintoma maior. Em terra onde qualquer um é chamado de ator – basta ter charme, seguidores ou uma boa pauta para reparar alguma dívida histórica – surge na cola todo um exército dedicado a desenrolar o tapete vermelho para dar seguimento a esse estupendo desfile de estampas ocas, simpáticas, sorridentes… e repletas de substância nenhuma.
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