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“O fechamento de um teatro não é só uma perda para os artistas, mas para a sociedade em geral”

Coluna Por Natália Beukers

A rua Capote Valente, número 1.323, é um endereço familiar para muitas pessoas, como artistas e espectadores que, desde 2003, frequentavam o Viga Espaço Cênico – Viga, para os íntimos. Trata-se de um teatro muito charmoso, situado no bairro de Pinheiros, comportando duas salas de espetáculo.

Hoje, o espaço é administrado e dirigido por Arnolfo Pimenta de Mello, que conta com o trabalho exemplar de Jorge Leal (o grande “Jorgeão”) e sua filha Gabriele Souza (Gabi, a iluminadora). Conhecido por abarcar programação diversa a preços justos, o Viga sempre acolheu inúmeras propostas artísticas independentes.

Entretanto, faz um tempo que a revoltante notícia do fechamento do espaço veio à público. Todos fomos pegos de surpresa com a proposta realizada por uma incorporadora ao proprietário do terreno. Esse teatro – palco de tantas montagens paulistanas – será demolido até o final deste ano, para que seja realizada a construção de (mais um) empreendimento imobiliário.

Fachada do Viga Espaço Cênico (Foto: Acervo Pessoal / Divulgação)

Há boatos que o espaço será utilizado para a construção da saída do estacionamento do futuro prédio… Um manifesto, no mês de maio, foi organizado em defesa do Viga, mas nada foi suficiente para conter o referido “avanço” imobiliário sobre a nossa cultura.

Foi no Viga que participei da minha primeira peça profissional, em que atuei fora da Escola de Teatro, no ano de 2017. Eu e mais onze jovens atores encenamos a peça O Tambor e o Anjo, com direção do ator e diretor André Garolli. O texto, genuinamente nacional, de autoria da dramaturga Anamaria Nunes, contava a estória de uma jovem – Eliane – durante os anos terríveis da ditadura militar.

Nós costumávamos chegar bem antes das apresentações, para arrumar todo o cenário. Era preciso montar as coxias, arrumar os camarins e reensaiar as últimas mudanças de cena. Nunca me diverti tanto como naqueles anos frequentando o Viga! No ano seguinte, continuamos a ter aulas no Viga com o Garolli. Toda semana, o mesmo endereço: Rua Capote Valente, 1.323.

Foi no Viga que eu – assim como inúmeros atores – pude iniciar a minha vida no Teatro. Foi lá que aprendi a cuidar do espaço teatral e, mais do que isso, a respeitá-lo.

Viga Espaço Cênico (Foto: Acervo Pessoal / Divulgação)

O que mais dói com o fechamento do Viga, além de toda a história que aquele teatro carrega e que será soterrada, é que mais um espaço de efervescência cultural vai abaixo em prol da especulação imobiliária.

Não se pode esquecer que o fechamento de um teatro não é só uma perda para os artistas, mas também para a sociedade em geral! Isto porque, os teatros representam espaços de exercício do pensamento vivo. São nesses locais – na Ágora – que os indivíduos de uma sociedade conseguem evidenciar e questionar as contradições da pólis, da lei, pensar na sua existência. É no espaço teatral que a sociedade pode expor a sua voz.

O fechamento do Viga representa a perda de mais um espaço de debate social. E isso é responsabilidade de todos nós. É preciso que coloquemos esta questão como pauta importante de nossas discussões.

Eu não podia deixar de escrever essa coluna em homenagem ao espaço Viga, que para mim, e outros tantos artistas, foi palco de grandes aprendizados. Após 18 anos de atividades, justamente quando atinge sua maioridade, o Viga cerra suas cortinas e fechará suas portas, para sempre. Quem sabe possa renascer noutro lugar…

“Prezado público, vamos: busque sem esmorecer!
Deve haver uma saída: precisa haver, tem de haver!”

(A alma boa de Setsuan, Bertolt Brecht)

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz e criadora do Portal Infoteatro, formou-se em Direito pela PUC-SP (2020). Começou a estudar teatro aos 10 anos, formando-se como atriz em 2017. Entre 2017 e 2021, estudou com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”, além de ter sido assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. Professora de teatro desde 2022, atualmente cursa licenciatura no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Embaixadora do Teatro B32, também já colaborou com a Folha de S. Paulo e com o segmento 'Vogue Gente', da Vogue Brasil, entre 2021 a 2023, onde publicou mais de 50 textos sobre teatro. Desde a criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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