O teatro musical no Brasil vive um momento de expansão sem precedentes. Com um público fiel e produções que encantam tanto pela técnica quanto pela grandiosidade, o gênero consolidou-se como uma das principais vertentes do circuito teatral do país. Esse crescimento não é obra do acaso, mas resultado de esforços conjuntos de artistas, produtores e públicos que enxergam no gênero uma expressão vibrante e completa. Em minha experiência ao longo dos anos, ao escrever sobre o tema e entrevistar artistas como Claudia Raia, percebo que o teatro musical no Brasil se preocupa com a adaptação da tradição estrangeira à identidade brasileira – nem sempre com êxito.
No entanto, o alto grau de profissionalismo exigido pelo teatro musical merece destaque. Os musicais demandam artistas capazes de cantar, dançar e interpretar com igual competência. Essa tripla habilidade é o coração do gênero, e no Brasil temos visto profissionais capacitados para essa tarefa. A disciplina e a formação técnica são constantemente ressaltadas por artistas da área, refletindo o alto padrão das produções em cartaz.
Historicamente, o teatro musical brasileiro atravessou fases de amadurecimento. Durante muito tempo, havia ceticismo quanto à viabilidade do gênero no país. Questionava-se se uma forma artística tão associada à Broadway e ao West End poderia encontrar ressonância no contexto cultural brasileiro. Em entrevista que fiz com a atriz e produtora Claudia Raia, em 2022, ela afirmou:
“Sou da época em que ninguém acreditava em musical. Até o Boni, que era meu oráculo, falou: ‘Claudia, não faz musical. É uma coisa americana, não funciona aqui no Brasil.’ E eu dizia: ‘Gente, se o Boni está falando isso… o que vai ser de mim… Como estrutura, o brasileiro está acostumado a essas apresentações grandiosas, com histórias cantadas, sambas cantados, todos cantando juntos. Então, eu pensava: ‘Como é que isso não funciona aqui? Se é um país totalmente musical, rítmico… não é possível que isso não dê certo no Brasil.” Todo mundo foi contra, mas eu estava certa. Porque podemos dizer que, hoje, é um dos únicos gêneros estabelecidos efetivamente no Brasil. Hoje, as casas lotadas estão nas mãos do teatro musical.”
A proximidade cultural do brasileiro com o musical pode ser observada em manifestações como o Carnaval, que compartilha elementos fundamentais do gênero, como narrativa, música e figurinos exuberantes. Essa afinidade cultural explica a adesão do público, que tem transformado o teatro musical em um fenômeno capaz de lotar casas de espetáculo por todo o país.
Além disso, o impacto do teatro musical no Brasil vai além do entretenimento, representando um mercado de trabalho robusto. Além de atores, cantores e bailarinos, o gênero gera oportunidades para músicos, cenógrafos, figurinistas e diversos outros profissionais. Claudia Raia observa que os musicais lideram em termos de público e bilheteira no país, com “dez ou doze produções em cartaz simultaneamente”, demonstrando a formação de um mercado consolidado. Pioneiros como Miguel Falabella, Marília Pêra e Bibi Ferreira pavimentaram o caminho para essa realidade, investindo em produções que conectam diferentes segmentos da indústria cultural.
Outro aspecto relevante é a formação de público. Muitas pessoas que antes não frequentavam o teatro passaram a fazê-lo, atraídas por produções grandiosas e emocionantes. Essa formação de novos espectadores é um legado fundamental, abrindo portas para que outras vertentes do teatro também ganhem visibilidade e apreço.
Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um aumento significativo de musicais autorais, com histórias e músicas totalmente brasileiras. Embora os grandes musicais importados continuem sendo uma parte vital do circuito, as criações locais trazem frescor e identidade, dialogando diretamente com a realidade nacional. Produções como Rita Lee – Uma Autobiografia Musical, Clara Nunes, a Tal Guerreira e Tarsila, a Brasileira são exemplos notáveis de 2024.
Neste mesmo caminho, há uma vasta lista de espetáculos dos últimos anos: Ney Matogrosso – “Homem com H” O Musical; Elza, que homenageia a vida e obra de Elza Soares; Elis – A Musical, que homenageia a vida e obra de Elis Regina; Bibi – Uma Vida em Musical, sobre a vida de Bibi Ferreira; Sidney Magal – Muito Mais que um Amante Latino, entre outros; Belchior – Ano Passado Eu Morri, Mas Este Ano Eu Não Morro.
Essas iniciativas celebram grandes nomes da cultura nacional, enquanto abrem possibilidades criativas dentro do gênero. Essa experimentação reafirma a capacidade do teatro musical de dialogar com diferentes públicos e estilos musicais, ampliando o alcance do gênero no Brasil.
No entanto, os desafios são muitos. Produzir um musical exige altos investimentos e uma logística complexa. A manutenção das temporadas depende de incentivos governamentais, patrocínios privados e apoio constante do público. Valorizar e fomentar a cultura é essencial para garantir a continuidade desse crescimento. A busca por modelos sustentáveis de produção também é um tema em destaque, pois pode garantir o acesso a mais iniciativas criativas.
A formação de profissionais para o teatro musical também merece atenção. Instituições voltadas para este segmento desempenham um papel crucial ao capacitar novos talentos. Cursos que promovem o intercâmbio cultural com profissionais internacionais também têm contribuído para elevar o nível técnico das produções nacionais.
O futuro do teatro musical no Brasil é promissor. Com talentos emergentes e um público engajado, o gênero segue se reinventando e explorando novas possibilidades. Seja por meio de histórias universais ou narrativas profundamente nacionais, o teatro musical reafirma seu papel transformador, emocionando plateias e consolidando-se como uma das formas de maior sucesso de bilheteira no país.