Entre os assuntos mais comentados das últimas semanas, com certeza, estão as Olimpíadas de Tóquio 2020. Assistir a esse grandioso evento mundial me fez estabelecer relações entre os jogos e o teatro. Talvez possa soar um tanto obsessivo pensar em teatro também agora e procurar uma conexão com os esportes, mas é possível encontrar manifestações teatrais em outras esferas da atividade humana. Quanto mais aguçarmos o nosso olhar, mais perceberemos como o teatro integra e se mistura ao nosso cotidiano.
A começar pela origem histórica: tanto os jogos olímpicos quanto o teatro, não por acaso, são originários da Grécia antiga. À título de curiosidade, os primeiros jogos ocorreram em Olímpia (776 a.C.) – daí o nome Olimpíadas. Por outro lado, a data exata do surgimento do teatro é incerta, pois há divergência entre os estudiosos do tema. No entanto, sabe-se que os três grandes trágicos, Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, e o primeiro cômico, Aristófanes, eram gregos.
Agora, vamos ao que mais interessa aqui, o jogo – e, neste caso, o jogo teatral! No teatro, é muito comum usarmos o termo “jogo” para nos referirmos ao que está acontecendo em cena entre atores. Durante os ensaios, ouve-se muito: “não deixe a bola cair”; “está faltando jogo entre vocês”; ou, ainda, “teve muito jogo na nossa cena hoje”. Neste sentido, já pararam para pensar que o termo play, em inglês, significa jogar e, também, peça de teatro? Isto não é à toa, e tenho para mim que há uma forte ligação em tudo isso. Entre os atores de um espetáculo, assim como em relação a atletas que estão competindo, acontece um jogo, em que todos devem estar atentos e preparados para agir quando necessário e fazer a sua parte visando a atingir o resultado. Afinal, a “bola não pode cair!”
Ao pensar neste estado disponível, de sinergia, em que atores devem estar para realizarem seu trabalho em prol do time, digo, do elenco, lembrei do texto Do Ator, do diretor e dramaturgo Domingos de Oliveira: “Em nenhuma outra atividade, a colaboração é mais necessária. A tua falha arruína o trabalho do colega. A altura do voo dele depende muito da solidez da tua plataforma. Precisamos realmente um do outro no Teatro. Isto confere ao homem de Teatro uma humildade, em premissa.”
Mas, ouso dizer que nos esportes também se dá o mesmo, sendo necessária a colaboração entre os atletas para atingir o resultado almejado por todos, sem esquecer que há esportes não coletivos e, também, monólogos.
Cabe destacar que para cada jogo há um espaço adequado. O diretor Eduardo Tolentino de Araujo – a quem devo enorme parcela do que sei sobre teatro – sempre ressalta a importância de pensarmos na arena apropriada para o jogo de determinada peça acontecer, algo imprescindível para o bom desempenho de uma montagem. Ele sempre brinca: “não é possível jogar basquete em uma quadra de tênis”. A representação de determinado texto pede, por exemplo, palco italiano ou palco de arena? Qual o melhor espaço teatral para contar aquela estória? O teatro é uma linguagem e, portanto, precisa de sintaxe. Isto é, para cada modelo dramatúrgico, há um tipo de espaço que funciona melhor, com mais coerência, de modo a alcançar ou se aproximar da inteireza do texto.
Para além de pensar na correlação entre esporte e teatro, o que mais me intrigou nesta primeira semana de jogos olímpicos foi perceber as diversas semelhanças entre o trabalho de atletas e atores. Seja qual for a modalidade esportiva ou dramatúrgica, é possível estabelecer diversos pontos de convergência entre essas atividades.
Perceba-se que o instrumento de trabalho de atores e atletas é o corpo. Por mais que no esporte haja instrumentos específicos de cada modalidade, e no teatro objetos de cena próprios de cada peça, estes profissionais necessitam de um corpo saudável para entrar em ação, em cena, competir, jogar, atuar. Quando o apito ou o terceiro sinal soar, play, inicia-se o espetáculo. Vence e faz sucesso aquele que estiver mais bem preparado. Porém, nunca é ocioso lembrar: mens sana in corpore sano (“mente sã em um corpo são”). Veja-se o exemplo da maior ginasta do mundo, a norte-americana Simone Biles, que decidiu ausentar-se de competir por falta de condições emocionais. Ao contrário do que se pensa, atrizes e atores precisam estar no pleno domínio das suas emoções para expressar o que o texto propõe.
Em live na qual conversei com a atriz e bailarina Mariana Muniz, no Instagram do Infoteatro (@infoteatro_), ela apontou a importância da “relação do sujeito que se movimenta com o espaço, o tempo em que ele faz o movimento, sua qualidade, peso e fluência”. São observações referentes ao estudo do corpo dramático, realizado pelo coreógrafo Rudolf Laban, mas que também se pode aplicar ao desempenho dos atletas.
E, para atingir a qualidade de movimento mais apropriada, no teatro ou nos esportes, treinamento e ensaio extenuantes são fundamentais. É recorrente a pergunta sobre como me senti na minha estreia no teatro, e sempre respondo que estava confiante, não para me vangloriar, mas porque sabia muito bem o que deveria fazer, em razão dos muitos ensaios, da parceria entre os jogadores com quem iria contracenar e das orientações do meu técnico, ou melhor, do diretor do espetáculo.
A respeito do ensaio para o teatro, a atriz Denise Weinberg, noutra live do Infoteatro, disse:
“É igual a qualquer treinamento. Quatro vezes por semana eu faço duas horas de corpo, de Pilates. Eu não vou esperar um trabalho acontecer para eu me preparar. Senão, fica horrível. Ninguém aprende a lutar esgrima em dois meses. Meu corpo e minha voz têm que estar preparados para qualquer momento.” E, para tanto, a atriz explicou que é preciso ter disciplina: “Disciplina não significa prisão, a disciplina liberta (…) a sua disciplina e o seu apuro técnico estão a favor da sua arte.” Ou do esporte que se pratica, digo eu.
E, ainda completou Denise: “É preciso ter treinamento, disciplina e fé.”, – essa frase tornou-se o lema do Grupo TAPA, entre os mais tradicionais do nosso teatro, do qual Denise foi uma das fundadoras. Treinamento para apurar a técnica, disciplina para alcançar os objetivos, fé para não desistir e acreditar que é possível e, assim, perseverar na trajetória artística ou esportiva, atributos de quem quer vencer, na vida.
Aplausos aos grandes atletas e artistas do planeta, e que, em breve, possamos estar na torcida e plateia novamente. Viva os Jogos Olímpicos e o Teatro! Realmente, os gregos não estavam para brincadeira…
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.