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A ORIGEM DO MUNDO

A Origem do Mundo, peça inspirada em uma HQ editada em 25 países, a partir de reflexões sobre a hegemonia masculina na construção de tabus históricos sobre a vulva e a vagina

Com dramaturgia e atuação de Luisa Micheletti e Julia Tavares, o espetáculo tem direção de Maria Helena Chira e potencializa a didática bem-humorada e sagaz do livro da artista gráfica e cientista política sueca Liv Strömquist.

Lançada em 2014 na Suécia, a graphic novel A origem do Mundo – uma história cultural da vagina ou a vulva vs. o patriarcado foi editada no Brasil em 2018, no catálogo do selo Quadrinhos, da Cia da Companhia das Letras. Apinhado de ilustrações – num traço incisivo impresso em preto, branco e vermelho – e suscitando discussões sobre temas urgentes com muita informação histórica e a leveza de um sarcasmo impagável, a obra rodou o mundo, sendo editada em 25 países e atingindo, até o momento, a marca de mais de 100 mil exemplares vendidos.

Arrebatada pelo contato com esse anárquico libelo feminista, uma dessas leitoras, a atriz, apresentadora e escritora Luisa Micheletti foi logo tomada pelo desejo de adaptar o texto da artista sueca para a linguagem teatral, com vistas de expandir a didática bem-humorada e instigante de Liv Strömquist para o público brasileiro.
Para a surpresa de quem teve contato com o livro apinhado de informações de potencial interesse pouco difundidas, vieram à tona constatações simbólicas como o fato de, somente em 1998, a cientista australiana Hellen O’Connell ter descoberto que o clitóris, bem mais que um “pequeno ponto” da anatomia íntima feminina, compreendia um órgão infinitamente complexo, com cerca de dez centímetros.

No livro, também é narrada a infame realidade de que a sonda Pioneer, lançada pela NASA em 1972, endereçou a hipotéticos seres alienígenas representações dos seres que habitam a Terra com ilustrações que exaltavam o pênis masculino em detrimento da ausência figurativa da genitália feminina.
“Na opinião da NASA, até os alienígenas se incomodariam ao serem confrontados com a imagem de uma vulva, e isto poderia causar mal-estar em outros planetas. A ausência da tal ‘linha’, que define a vulva, continua firme e forte em bonecas, manequins e ilustrações, indicando que a genitália feminina mais se aproxima de ‘nada’ do que de ‘algo em si’, ideia que foi reforçada por teorias psicanalíticas ao longo do século XX e que serão vistas, por outro ângulo, na encenação”, explica Luisa.
No processo de verter a força simbólica do texto original e do poder de síntese das ilustrações sem perder mão da mesma verve riot-grrrl da HQ, na linguagem cênica, outra entusiasta do livro de Strömquist, a atriz, roteirista e dramaturga Julia Tavares foi escalada para, a quatro mãos com Luisa, realizar um processo de carpintaria capaz de traduzir o manancial de informações presentes no livro. Trabalho de imersão que resultou no espetáculo A Origem do Mundo, e que agora será apresentado ao público no Teatro Mínimo do Sesc Ipiranga, em São Paulo, de 14 de abril a 21 de maio, com direção de Maria Helena Chira.

“O livro traz algo muito novo. É como um ‘upload’ de consciência histórica feito em nível social por meio da arte, que sempre aponta caminhos. Como artistas, também estamos aqui para falar do nosso tempo e poder abrir novas trilhas de pensamento e de existência. Queremos furar bolhas, falar não só para as mulheres, porque isso é algo urgente. No Brasil e no mundo, precisamos criar essas pontes de diálogo, e o humor é a melhor forma de fazer isso, porque podemos dizer coisas duríssimas e divertir ao mesmo tempo. Ninguém quer sair de casa só para apanhar”, brinca Luisa.

Em 2020, em entrevista mediada por Luisa num evento online da Cia. Das Letras (encontro que facilitou o acordo de concessão dos direitos para a adaptação teatral brasileira), Liv Strömquist também destacou esse poder de seduzir o público por meio do humor: “Todos aqueles homens obcecados pela genitália feminina… Uma história muito ridícula, e eu quis rir dela. Foi esse meu ponto de partida. Em vez de escrever um artigo, foi mais divertido fazer quadrinhos”, afirmou a cientista política.
Quando destaca a secular obsessão masculina por controlar tudo que envolve o corpo da mulher, Strömquist faz referência ao capítulo inaugural de A Origem do Mundo, excerto que inspira o primeiro de três atos da adaptação teatral brasileira, “A Vulva”, e entre menções a outros personagens, coloca em xeque até mesmo pensamentos equivocados de figuras luminares do século XX, como o do psicanalista Sigmund Freud (1856 – 1939) e do filósofo Jean-Paul Sartre (1905 – 1980): o primeiro, por ter disseminado a tese de que haveria duas formas distintas de orgasmo feminino, o vaginal e o clitoriano; o segundo, por ter estabelecido uma afrontosa analogia da genitália feminina como um reles “buraco”.

Recortes como esse, de um sucessivo absurdo histórico de hegemonia masculina sobre o domínio de interpretação da sexualidade feminina, são representados de forma camp e ganham impagável abordagem no dinâmico jogo de cena de Luisa e Julia, que assumem papeis diversos ao longo da montagem de A Origem do Mundo.
“Claro que um homem pode rir disso, mesmo que não tenha como se identificar. Mas ser representada nesse lugar é muito mais importante para a mulher, porque deixamos de ser representadas durante muito tempo. Veja a dificuldade de se achar dados sobre a vulva e o tempo em que o clitóris ficou perdido no mundo”, provoca Julia.
Majoritariamente feminina, a equipe a cargo da montagem se vale de recursos aparentemente parcos, mas que ganham potência no relance das intervenções de luz, no suporte de livros dispostos como objetos cenográficos, na trilha sonora de Nana Rizinni e em duas hilárias paródias musicais assinadas por Luisa e Julia, inspiradas em um clássico de Zezé Di Camargo & Luciano e no tema do musical Os Miseráveis, de Claude-Michel Schönberg. Um jogo sagaz, em que tudo converge para imprimir o mesmo ritmo frenético presente na HQ.

A despeito do tom majoritariamente cômico, A Origem do Mundo não abre concessões sobre outras facetas da obra original, como a possibilidade de constante ressignificação e a capacidade de produzir momentos de grande densidade, como explica a diretora do espetáculo.

“Quando entrei no processo, o texto delas já estava bem adaptado, mas mexemos em muitas coisas. Esse é o tipo de dramaturgia que não se encerra nunca. A lógica é essa, porque se trata de algo novo contar uma história como essa. O texto é muito vivo, se ajusta ao discurso conforme tudo acontece. O livro tem essa estrutura de informar, de dar os dados em meio à coisa sarcástica, em meio a momentos de porrada. O misto das duas coisas será pontual pra que as pessoas voltem para casa e pensem mais profundamente sobre o que viram”, conclui Maria Helena.

RESUMOS BIOGRÁFICOS

Luisa Micheletti, atriz, escritora e apresentadora.
Esteve à frente de programas musicais nas emissoras MTV Brasil e Multishow. Na TV, integrou o elenco da novela Novo Mundo, da Rede Globo. Criou e protagonizou a série de ficção Desprogramado, no Multishow, e atuou nas duas temporadas da série Rio Heroes, da FOX Premium. No teatro, atuou em: O Balcão, de Jean Genet, Fantasmas, de Ibsen, e H.A.M.L.E.T., espetáculos da Cia. Club Noir; Quero Morrer Com Meu Próprio Veneno, com direção de Mika Lins; e O Aquário, dirigido por Cássio Brasil. Escreveu e protagonizou a peça Soror, com direção de Caco Ciocler. Participou dos longas-metragens Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, Estamos Juntos, de Toni Venturi, e Rota de Fuga, de Pablo Uranga. Como escritora, publicou Nem Sofá, Nem Culpa (contos, 2017) e Dentro do Outro (poemas, 2020), editados pela Laranja Original.
Julia Tavares, roteirista, dramaturga e atriz.
Colaborou, como roteirista, para os canais Porta Dos Fundos e Faculdade Descomplica. Escreveu e atuou no monólogo de comédia Julia & Julia, dirigido por Debora Lamm. Também no teatro, integrou o elenco de Paralelamente, com direção de João Rodrigo Ostrower e Lisa Eiras, atuou em Estamos Indo Embora, de Luiz Felipe Reis, e O Corpo da Mulher Como Campo de Batalha, de Fernando Philbert. Em 2015, foi indicada ao prêmio Yan Michalski de Melhor Atriz, por Noises Off. Atualmente, integra o elenco principal da série infantil Detetives do Prédio Azul e trabalha no roteiro do longa-metragem A Missão de Ulisses para a Conspiração Filmes.

Maria Helena Chira, atriz, produtora e diretora.
Idealizou o espetáculo Ensaio, com direção de Leonardo Moreira, e fez parte do elenco de Vidas Privadas, de Noel Coward, dirigido por José Possi Neto. Seu trabalho mais recente foi a estreia mundial de A Desumanização, de Valter Hugo Mãe. Dirigido por José Roberto Jardim, o espetáculo, que circulou por São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, foi produzido por Maria Helena e, em sua estreia, contou com a presença do autor. Na TV, estreou na minissérie Som & Fúria, de Fernando Meirelles. Na Rede Globo, também integrou o elenco das novelas Tititi, Cheias de Charme e Sangue Bom. Em 2015, ganhou o Prêmio Telas de Melhor Atriz por seu trabalho na série Zé do Caixão. Em 2016, estreou o longa-metragem Trago Comigo, de Tata Amaral.

FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia e Atuação: Julia Tavares e Luisa Micheletti
Direção: Maria Helena Chira
Cenário e Figurinos: Cássio Brasil
Iluminação: Gabriele Souza
Trilha sonora: Nana Rizinni
Letras das paródias: Julia Tavares e Luisa Micheletti
Provocadoras do processo: Eme Barbassa e Thaís Medeiros
Direção de Produção: Maria Helena Chira
Produção Executiva: Claus Lehmann
Assessoria de Imprensa: Baobá Comunicação, Cultura e Conteúdo
Idealização: Luisa Micheletti

 

 

 

Texto disponibilizado pela produção do espetáculo.

 

Detalhes da peça

Status

Encerrada

Temporada

De 14/04/2023 até 21/05/2023

Dias

sex a dom horários variáveis, de 18h30 às 21h30

Duração

60 minutos

Valor

R$30 (inteira) / R$15 (meia) / R$10 (credencial plana)

Região

Zona Sul / São Paulo

Teatro / Espaço

Sesc Ipiranga
R. Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo/SP - 04203001

Estacionamento

Cafeteria

Sim

Telefone

(11) 3340-2000

16

Classificação indicativa

Não apropriado para menores de 16 anos

Galeria de fotos
Fotos por Claus Lehmann
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