A peça reúne toda a equipe formada no Centro de Pesquisa Teatral, incluindo o elenco, que foi o último grupo de atrizes e atores em processo de experimentação e ensaio com Antunes Filho.
Gesto faz parte do momento que marca os 40 anos do Centro de Pesquisa Teatral (CPT). Esta é a primeira montagem de um texto inédito escrito para o CPT a estrear nesse espaço sob a direção de uma mulher, Vanessa Bruno.Em 2019, em meio às aulas de corpo, voz, teoria, retórica e dramaturgia do curso Introdução ao Método do Ator (CPTzinho), o encenador Antunes Filho (1929-2019) seguia em elaborações de dramaturgias e experimentações com o grupo de atores e atrizes até chegar em “Bonitinha, mas Ordinária”, de Nelson Rodrigues. Aproveitando a turma para ajudá-lo na adaptação do texto em junção às discussões e criação de cenas para o possível espetáculo, Antunes resolveu, no entanto, engavetar o projeto. “Como o formador que foi, ele estava sempre nos inquietando com as mais diversas referências. Na época, eu dava aulas de dramaturgia a seu convite e ele me pediu para reler ‘O Rinoceronte’, clássico de Eugène Ionesco escrito em 1959. Sou fã do Teatro do Absurdo e me senti imediatamente instigada, ali, naquele contexto, ao reencontrar a peça sobre aquela cidade tomada por um surto de ‘rinocerontite’, metáfora crítica para uma espécie de delírio coletivo capaz de contagiar corpos e mentes”, conta Silvia Gomez, dramaturga formada pelo Círculo de Dramaturgia do CPT. Logo depois, nasceu a primeira versão da peça “Gesto”, apresentada ao diretor. “Silvinha está voltando para casa”, manifesta Antunes ao ler o texto. Entre experiências com as cenas do Prêt-à-Porter, sob supervisão de Emerson Danesi, o trabalho com o elenco dentro do CPT seguiu também em pesquisas com a peça de Gomez.
É um gesto ao Brasil, a Antunes Filho e ao público que se está falando
Diante de um Brasil polarizado, num momento de discussão sobre verdade e mentira, entre fake news que se espalham como contágio e discursos e ações que suscitam perplexidade, “a obra tenta elaborar poeticamente a sensação tantas vezes inexprimível de instabilidade, violência e contradição traduzida em uma narrativa híbrida, entre diálogos e monólogos em delírio, em torno do sentimento de vertigem e impasse de uma época que observa a fase atual do capitalismo avançar como necrose sobre os corpos e a natureza”, relata Gomez. Aquilo que não é dito. Ao narrar personagens que chegam a um hospital relatando inexplicáveis sensações, o texto coloca a pergunta sobre aquilo que não é dito, mas, sim, manifestado como sintoma, seja como movimento de um grupo ou no corpo de cada indivíduo. Em estado de urgência e limite, os personagens tentam relatar a sensação de perplexidade em relação ao próprio corpo e vivência. Seus contornos aparentam, de repente, ganhar formas que fogem ao controle racional, expressão individual do absurdo que muitas vezes todos nós experimentamos na vida cotidiana e na convivência em sociedade. Cada personagem parece, assim, falar de um profundo sentimento súbito de estranhamento: de si mesmo, de seu corpo, sua fala e, sobretudo, do outro. Gesto é uma peça marcada por um humor lírico e poético, um riso nervoso que bebe em permanentes referências que são mestres em explorar a ideia de estranhamento, como o próprio Ionesco, assim como a obra de Franz Kafka e também nomes do fantástico latino-americano, como a argentina Silvina O campo e o brasileiro Murilo Rubião. E, ao mesmo tempo, a peça traz fragmentos das cenas em elaboração nos ensaios de “Bonitinha, mas Ordinária” que Antunes Filho trabalhava com o elenco em questão. “Pedi que as atrizes e os atores retomassem as últimas cenas esboçadas com Antunes e, também, construíssem partituras físicas e novas propostas de cenas coletivas, além de respostas cênicas individuais. A partir desse material é que foi nascendo o espetáculo. Estudamos também o acervo de obras do diretor no Sesc Memórias. Lançamos mão de inúmeras referências e de todos os aprendizados vindos do Antunes, entre eles – fundamento talvez mais precioso para mim – a emancipação da/o intérprete”, afirma a diretora Vanessa Bruno. O projeto evoca a essencialidade e o minimalismo característicos do CPT e resulta numa colagem que une formação, experimentação e também olha para a realidade brasileira.
Sobre Silvia Gomez – Silvia Gomez é jornalista, dramaturga e roteirista. Fez sua formação em dramaturgia no Centro de Pesquisa Teatral (CPT) a partir de 2003, espaço ao qual voltou para dar aulas no curso Introdução ao Método do Ator (CPTzinho), entre 2017 e 2019. Autora das peças teatrais “Mantenha fora do alcance do bebê” (ganhadora dos prêmios APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, na categoria de melhor dramaturgia, e Aplauso Brasil, em 2015), “Neste mundo louco, nesta noite brilhante” (indicação ao Prêmio Shell paulistano, na categoria melhor dramaturgia, em 2019) e “A Árvore” (Editora Cobogó), entre outras. Suas peças foram traduzidas para o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, mandarim e sueco, tendo sido encenadas e lidas em países como Bolívia, Colômbia, Escócia, Espanha, Inglaterra e Portugal. “Neste mundo louco, nesta noite brilhante” estreou ano passado no México e está atualmente em cartaz na Argentina.
Sobre Vanessa Bruno – Vanessa Bruno é atriz e diretora, bacharel em Cinema e mestre em Artes Cênicas pela USP. Desde 2003, esteve envolvida no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), coordenado por Antunes Filho. Sob sua direção, atuou em “Prêt-à-Porter 9” (Prêmio Shell – categoria especial) e “Pedra do Reino” (Prêmios Bravo!Prime, APCA e Contigo!) e ministrou, a partir de 2010, aulas para atores no curso Introdução ao Método do Ator (CPTzinho). É propositora do VULCÃO [criação e pesquisa cênica], onde realizou diversos espetáculos autorais com o deslocamento da literatura de mulheres para a cena, entre eles, o mais recente “Águas do Mundo”, no qual dirigiu seu próprio solo.
Ficha Técnica
Dramaturgia: Silvia Gomez
Direção: Vanessa Bruno
Assistente de Direção: Luiz Felipe Bianchini
Elenco: Guilherme Moilaqua, Luana Frez, Madu Possatto, Osmar Pereira, Rodrigo Fiatt, Stella Prata, Thiago Richter e Vitor Biazzin
Ambientação Cênica e Figurinos: Rosângela Ribeiro
Assistente de Ambientação Cênica e Figurinos: Neemias Villas Bôas
Costureira: Vera Luz
Cenotécnico: Cláudio Cabral
Trilha Sonora e Operação de Som: Lenon Mondini
Preparação de Canto: Solange Assumpção
Aula de Guitarra: Bob Souza
Luz: Elton Ramos, Fabio Albino, Felipe Siqueira Galvino e Vitor Silva
Assistentes de Luz: Márcio Martins e Rodrigo Coelho
Operação de Luz: Lenon Mondini
Edição de Vídeos: Osmar Pereira
Produção: Tubo de Ensaio Arte e Comunicação
Produção Executiva: Ivo Leme
Fotos: Emidio Luisi