Com texto de Marcia Tiburi e Rubens Casara, a peça mostra uma psicanalista lidando com os conflitos ao atender em seu consultório um político da extrema direita. Em cena, a atriz interpreta uma analista em diferentes sessões com um fascista.
“Eu sou um homem de ação. Posso não saber, mas faço. Ignoro, mas faço. Se as pessoas parassem de pensar tanto e trabalhassem, a economia cresceria. Para que pensar?”. Essa é a pergunta lançada pelo político ao chegar ao consultório de uma psicanalista, indicada por seu marqueteiro. Em cena, ela propõe um diálogo que exige autorreflexão e subjetividade; mas isso se mostra impossível, pois rapidamente entendemos a personalidade autoritária do paciente, com posicionamento de extrema direita. A peça Um fascista no divã se dá nesse cenário hostil. Foi escrita por Marcia Tiburi e Rubens Casara entre 2016 e 2017, antevendo os desafios que o Brasil enfrentaria nos anos seguintes, e lançada em 2021. A escritora e também filósofa foi alvo de ataques e ameaças de morte diversas vezes, e após ser perseguida politicamente, deixou o Brasil depois das eleições de 2018.
“Nós buscamos uma forma de mostrar a complexidade que nos atravessou quando passamos a imaginar a relação entre uma psicanalista, que não é fascista, e um paciente fascista. Tentamos lidar cenicamente com as questões suscitadas em nós pelo texto da Márcia Tiburi. Um fascista só não faz terror e sempre haverá uma máquina fascista operando, enquanto o capitalismo correr solto. Por isso criamos na peça um coro guiado remotamente para assumir o personagem do fascista. A Giovana, que faz a psicanalista, vai precisar lidar com o modo de esse coro agir, com a circunstância de cada dia”, revela o diretor.
O cenário da peça inicialmente é um consultório, mas ele vai se modificando ao longo das cenas: se transforma em uma sala de jantar, em um programa de televisão ou em um acampamento. Quem faz essa mudança de cenário também é o coro do dia. “Por causa do modo como será guiado, haverá um desajuste teatral na movimentação do coro, uma falta de acabamento do gesto. Essa falta de acabamento também é proposital, porque não entendemos de fato o corpo fascista contemporâneo. Ao mesmo tempo que seus movimentos são extremamente eficazes, apoiados por uma máquina, a aparência é de falta de habilidade, como as marchas que vimos na frente dos quartéis e as inúmeras cenas bizarras que eles despejaram na nossa cara nos últimos anos”, diz Capuano.
Para Giovana, essa forma de encenação reforça a proporção que o delírio em massa tomou, facilita a experiência que o jogo de linguagem propõe de desnaturalizar os clichês absurdos ditos pelo fascista com frases misóginas, racistas, homofóbicas, sem qualquer constrangimento. “É muito importante entender e visualizar que por mais inacabado e ridículo que possa parecer, o comportamento autoritário jamais pode ser descredibilizado e a indiferença nutre o crescente do absurdo”, diz a atriz.
A ação se passa durante algumas sessões entre a psicanalista e o fascista e os diálogos levantam questões sobre autoritarismo, direitos humanos, religião, entre outras. A analista procura entender o mecanismo desse pensamento, sem conseguir criar um laço possível.
Durante a peça existe uma contextualização histórica apresentada em vídeo, com imagens documentais e estudos sobre fascismo e antifascismo. A linguagem audiovisual vira uma ferramenta aliada e mostra o fascismo como um movimento antigo, estrategicamente elaborado a serviço de outros setores. Uma das frases da peça é do filósofo Max Horkheimer que diz: “Quem não quer falar de capitalismo deveria também se calar sobre o fascismo”.
André Capuano é diretor, ator e filósofo. Mestrando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da UNESP. Desde 2002 pesquisa a relação entre o teatro e o cotidiano urbano, coordenando a pesquisa USO – Teatro Urbano. Nessa pesquisa criou por exemplo o espetáculo Corpo-Cidade Rotinas (Ficção), concebido e atuado por atores, atrizes e dezenas de trabalhadores e trabalhadoras da República, no centro da cidade de São Paulo. Além dessa pesquisa cênica, criou e atuou em diversos espetáculos teatrais, com vários coletivos e artistas da cidade, dentre os quais: As Mamas de Tirésias, de Guillaume Apollinaire; Verdade, Pornoteobrasil e Trilogia Abnegação, com o grupo Tablado de Arruar; Barafonda e o Santo Guerreiro e O Herói Desajustado, com a Cia São Jorge de Variedades; Branco – o Cheiro do Lírio e do Formol, Refúgio e Floresta, com Alexandre Dal Farra; entre outros.
Giovana Echeverria é atriz, analista de roteiro e comunicadora. Recentemente esteve em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo com a Ópera das Três Laranjas, texto de Prokofiev, com direção de Luiz Carlos Vasconcellos; e no Sesc Paulista na performance Cartas ao Mundo, concebido e dirigido por Bia Lessa. Estudou artes dramáticas na UFRGS, no Teatro Nilton Filho, em Porto Alegre, e Screen Acting na Academy of Art School of Acting, em São Francisco, também teve passagens nos grupos Tá na Rua e Teatro Oficina. Em 2009, começou sua carreira no audiovisual na Rede Globo, participou das séries Verdades Secretas 2, Justiça (indicada ao Emmy) e Lei de Murphy, e das novelas Orgulho e Paixão, Sete Vidas e Malhação Id. Atuou também na Rede Record em duas grandes produções de novelas, Gênesis e Vidas em Jogo. No Canal Brasi, participou da série Meus dias de Rock; e foi antagonista da série Perrengue para MTV/MIAMI. No cinema protagonizou dois longas #GAROTAS, distribuído pela Paris Filmes, e Superfície da Sombra, exibido pela Paramount e Amazon Prime, também atuou no filme Meu Mundo Não Cabe nos Teus Olhos, produção Globo Filmes, indicado a prêmio no Los Angeles Brazil Film Festival.
Ficha Técnica
Texto: Marcia Tiburi e Rubens Casara
Idealização: Giovana Echeverria
Direção: André Capuano
Elenco: Giovana Echeverria
Direção de arte: Renato Bolelli
Iluminação & vídeo: Daniel Gonzales
Sonoplastia: Miguel Caldas
Operador de luz: Daniel Gonzales
Corifeu: Benedito Canafístula
Cenotécnico: Bibi de Bibi
Assistente de iluminação: Felipe Mendes
Assistente de direção de arte: Wesley Souza da Silva
Design: Veni Barbosa
Foto divulgação: Flora Negri
Foto/filmagem: Cabaça Produções
Assessoria de imprensa: Canal Aberto
Produção: Corpo Rastreado | Gabs Ambròzia