No dia 28 de maio de 2025, a cidade de São Paulo acordou mais uma vez com uma notícia que evidencia o projeto perverso de uma prefeitura que enxerga a cultura como obstáculo e os artistas como incômodos: o Teatro de Contêiner da Cia. Mungunzá de Teatro recebeu uma notificação da prefeitura exigindo a desocupação do espaço em 15 dias. Quinze dias. Quinze dias para desmontar não apenas uma estrutura física, mas toda uma rede de afetos, ações comunitárias, criações artísticas, ações educativas, políticas de escuta e pertencimento construídas desde 2016 no coração do bairro da Luz — lugar que por muitos anos estava/está em repleto abandono por parte da prefeitura.
É válido perguntar, com todas as letras: de quem foi a ideia de remover um teatro? Senhor prefeito Ricardo Nunes, tenha a coragem de responder à população. Não venha com a já desgastada desculpa de que é por causa de projetos de habitação — porque sabemos, e o senhor também sabe, que essa nunca foi sua prioridade. E, mesmo que fosse: seria preciso escolher, entre moradia e cultura, destruindo uma para dar lugar à outra? Essa dicotomia imposta é falaciosa, desonesta e revela, na verdade, a falta de vontade política em garantir o direito à cidade em sua plenitude.
Aliás, senhor prefeito, o senhor conhece de fato o trabalho do Teatro de Contêiner? Já esteve lá, presenciou alguma atividade, conversou com a comunidade atendida ou com os artistas que ali atuam? A Cia. Mungunzá de Teatro realizou aquilo que o poder público deveria ter feito há muito tempo: ressignificou um terreno abandonado, antes utilizado como estacionamento e sem função social, em um espaço vivo de criação, acolhimento, pluralidade e formação. Onde havia descaso, o coletivo em conjunto com a população, construiu pertencimento. Onde havia abandono, instalaram um teatro pulsante. A pergunta que fica é: por que remover justamente o que deu certo?
A remoção do Teatro de Contêiner não é um caso isolado, mas parte de uma política cultural que se estrutura pelo abandono, pela omissão e, por vezes, pela destruição direta dos equipamentos culturais. Ainda neste ano, em fevereiro, o histórico Teatro Ventoforte, referência para o nosso Movimento de Teatro de Grupo, foi demolido no Parque do Povo. Assim, sem cerimônia. Uma tragédia anunciada que pouco mobilizou a administração pública, num silêncio cúmplice que revela de que lado estão os gestores da cidade.
Também poderíamos listar o fechamento do Teatro Aliança Francesa, a luta dos Contadores de Mentira, em Suzano, que perderam a sua sede, o despejo da Cia. Pessoal do Faroeste e por ai vai. A pergunta se impõe novamente: o que leva um prefeito a tratar espaços culturais como obstáculos e não como aliados do bem comum?
Fechar, demolir, despejar, remover teatros é mais do que uma ação administrativa: é um gesto simbólico de silenciamento. Um projeto político. O teatro é, por natureza, espaço de encontro, de crítica, de experimentação e de transformação. Um teatro movimenta a economia local, emprega artistas, técnicos, produtores, movimenta restaurantes, comércios, estimula o pensamento crítico, forma plateias, acolhe a população em situação de vulnerabilidade, oferece oficinas, cursos, práticas sociais. Um teatro é uma usina de cidadania.
É de uma estupidez estratégica notável desmontar os teatros. Porque governar uma cidade é também cuidar do que nela pulsa. E se o prefeito destrói os espaços onde pulsa vida, arte, pensamento, ele está dizendo claramente de que lado está: do lado da especulação imobiliária, do apagamento, do concreto sobre a imaginação.
É urgente, é necessário, é vital que as autoridades revejam essa postura incrédula e equivocada. Que cessem imediatamente esse projeto de destruição da cultura. Que respeitem quem, com muito pouco, faz tanto pela cidade. Acabar com um teatro é escolher, deliberadamente, a barbárie em vez da sensibilidade.