Inicialmente previsto para estrear em 12 de março de 2020, São Paulo, espetáculo concebido pela atriz Regina Braga e pela diretora Isabel Teixeira, teve de ser adiado por conta da atual pandemia.
Quase dois anos depois, a peça finalmente está sendo encenada no Teatro Unimed. Ao lado dos excelentes músicos como Vitor Casagrande, Gustavo de Medeiros, Guilherme Girardi, Alfredo Castro e Xeina Barros, Regina Braga revela seu afeto pela capital da garoa. Entre textos, poesias, histórias pessoais e muito samba, o espetáculo permeia a alma da cidade paulistana revelando suas contradições e belezas.
Durante uma conversa deliciosa com a atriz, ela entrega os detalhes sobre este processo que tanto a instigou, além de outras curiosidades! Veja a seguir:
O que te encanta na cidade de São Paulo?
Regina Braga: Esse carinho por São Paulo foi acontecendo aos poucos, não surgiu de um dia para o outro – conto sobre isso na peça. Na verdade, nasci no interior de São Paulo, em Presidente Prudente. Meu pai era paulista e conheceu minha mãe em Minas Gerais. Nunca me senti parte de um lugar determinado, que eu me identificasse por completo. A única certeza que sempre tive é que gostaria de morar em cidade grande… e, morando no interior, o destino mais comum era sair da cidade pequena e morar na capital – para fazer faculdade. Vim para São Paulo em 1964, e fui ficando. De repente, o tempo passou e, agora, estou aqui, minha vida foi construída nessa cidade. Criei uma relação com São Paulo, e é sobre isso que fala a peça.
Qual a relação de São Paulo com o teatro?
É o lugar que tem mais espetáculos no Brasil. Teve um momento, quando todas as peças eram divulgadas nos jornais, em que contei quase cem espetáculos em cartaz. Se formos pensar, qual a cara do teatro paulista? É o Oficina [Teatro Oficina Uzyna Uzona, dirigido por Zé Celso Martinez], por exemplo? É o Oficina também! E São Paulo tem de tudo: stand-up comedy, grandes espetáculos, grandes musicais, espaços alternativos, teatros tradicionais; é de uma diversidade… No Rio de Janeiro, já é diferente: o teatro está sempre nos mesmos lugares. Portanto, é mais fácil você entender a cara do teatro carioca.
Como foi o processo de criação do texto da peça?
Gosto muito de ler sobre história, principalmente do Brasil, é um tipo de leitura que me prende. Assim, sempre tive o interesse de conhecer um pouco melhor a história da cidade de São Paulo. Mas, quando li o livro A Capital da Solidão, de Roberto Pompeu de Toledo, fiquei completamente ligada afetivamente à cidade. Comecei a sair pelas ruas procurando os lugares sobre os quais ele havia escrito. E todas essas informações ficaram vivendo comigo. São passeios que fiz ao longo dessa leitura, inesquecíveis, muito emocionantes. Nessa época, era fim de ano, comprei 35 exemplares do livro para dar aos meus amigos! É gostoso você se relacionar mais efetivamente com o lugar em que vive.
Ao longo dos anos, fui acumulando mais leituras sobre a cidade, marcando as partes que mais gostava de textos e poesias: “essa frase aqui eu preciso dizer algum dia!”. E, junto com isso, sempre gostei de cantar, especialmente samba. Os músicos que estão na peça são meus companheiros há muitos anos. E, para montar o repertório da peça, eles iam uma vez por semana em casa. No fim, nós tínhamos 35 músicas escolhidas para o espetáculo. Tivemos de cortar várias.
Mas o texto em si não saía… então tive uma boa ideia! Chamei uma amiga, atriz, para me assistir contando o que queria falar de São Paulo e gravamos essas conversas. Depois, eu e a Isabel Teixeira [diretora do espetáculo] – nós já tínhamos um vínculo muito forte por conta de outros trabalhos – trabalhamos durante um mês na criação do texto. Quando tínhamos a primeira versão, fizemos uma leitura para, mais ou menos, 40 pessoas. Anotamos todas as críticas e comentários para ajustar o texto. E, nessa leitura, um grande amigo meu, arquiteto, disse: “vai estrear um novo teatro que projetei. Esse espetáculo ficaria muito bem lá.” Este amigo é Isay Weinfeld, arquiteto que projetou o Teatro Unimed.
Quais as expectativas para este projeto?
Por enquanto não penso em nada. Já estou tão feliz de ter estreado! Confesso que ainda estou insegura com todos os protocolos, mas acho que é um medo geral. Estou me preservando tanto… só tenho feito ginástica e fono; no resto do tempo, fico estudando o texto. Então, vamos ver como será daqui pra frente…é um privilégio voltar ao palco neste momento, é uma alegria enorme. Estou levando isto muito a sério porque, para a minha vida, fazer teatro é fundamental.
Como tem enfrentado este momento de pandemia?
No começo, logo que tudo parou, fiquei enlouquecida. Pessoalmente, aquele foi o pior momento da pandemia, meu marido [o médico Drauzio Varella] estava sendo super atacado. Foi um momento muito duro… Fiquei em um sítio, só pensando em estudar textos, poesias e decorar, porque é um jeito de me salvar, entende? Para mim, essa profissão não é como outra qualquer; é meu jeito de viver.
Ser atriz é minha forma de expressão, de estar no mundo. Sinto isso muito forte em mim, sempre senti. Quando não estou trabalhando, fico sem rumo. Mas, neste caso, não fui só eu que fiquei sem trabalho, muitos ficaram sem rumo. Depois fui chamada para fazer a novela, Um Lugar ao Sol, de Lícia Manzo, tive que trabalhar muito, estudar bastante… aí abandonei completamente o São Paulo. Fiquei no Rio, só pensando na novela.
Falando em novela, como foi dar vida à psicóloga Ana Virgínia?
Uma curiosidade é que trabalhei muito tempo com psicologia, a partir das práticas de psicodrama. Era professora de teatro – sempre fui atriz e professora de teatro pela instabilidade da profissão – então comecei a estudar muito psicodrama, fiz cursos, terapia psicodramática e comecei a ir bem nessa área. Achei, como estava com crianças pequenas e muito medo do meu futuro profissional, que se fizesse curso de psicologia, poderia me tornar psicoterapeuta e ter uma vida mais estável. Fiz a faculdade, me formei, fiz estágio – nunca esqueço dos meus pacientes do estágio… mas teve um momento em que senti que precisava escolher.
Então, quando me chamaram para essa personagem, pensei: “ai que delícia!”. Já tinha uma afinidade com a área da personagem, e, também, porque faço análise, de forma que pude “copiar” minha analista. E é muito bacana o que essa personagem está fazendo na novela, principalmente quando disse a seguinte frase em uma das cenas: “uma das vantagens de envelhecer, é que nos autorizamos a ser quem somos”. Recebi muitas mensagens sobre ela. Aí me dei conta de como uma personagem na televisão pode ser abrangente, pode falar coisas que toquem profundamente o público. É uma satisfação poder representar uma personagem assim. A autora também se surpreendeu com o tanto de mensagens que recebeu!
****
Ao final de nosso bate-papo, depois de pouco mais de 50 minutos de conversa, Regina Braga mostrou-me, maravilhada, um cartão que a produção de Um Lugar ao Sol deixou na mesa da personagem Ana Virgínia. Tratava-se de um cartão de visitas da própria personagem, com endereço e tudo! Regina parabenizou a direção de arte e disse que ficou encantada quando encontrou o cartão no cenário durante uma das gravações da novela.
Ficou nítido o encanto da atriz por sua profissão e carinho pela montagem São Paulo, que seguirá em cartaz, nas próximas duas semanas, até 20 de fevereiro de 2022, no Teatro Unimed. Não percam – curtíssima temporada!
São Paulo: Teatro Unimed: Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2159, Jardins, SP.
sympla.com.br
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.