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Teatro Velho

Coluna Por Chico Carvalho

Um teatro velho não é um bom teatro. Quando dizem esse “teatro velho” querem fazer um juízo crítico, apontar que é um TEATRO ULTRAPASSADO, perdido num tempo anterior ao nosso. Querem dizer que o teatro interessante, o que vale prestar atenção hoje, é aquele conectado ao SEU TEMPO, às ruas, às demandas do tempo corrente. Aquele que fala das questões da atualidade, aquele que oferece a oportunidade de nos identificar com o que vemos. Será?

Quando acusam um teatro de “velhice” eu sempre fico com uma dúvida. Porque o teatro não carrega justamente essa qualidade de ser uma coisa anterior a nós, a nós que somos jovens, desse tempo, IMPREGNADOS PELAS CAUSAS URGENTES? Não é o teatro um negócio ANCESTRAL, que funciona nas mesmas bases desde sempre, quando alguém inventou de subir à cena, seja num palco, seja na rua, para dizer assim: Eu sou O Imperador Alexandre 1° da Rússia?

E ao fazer isso, ao invés de fazer com que a gente se assemelhasse àquela figura, se sentisse próximo a ela, ao contrário, promovia AFASTAMENTO… porque era assombroso imaginar que estávamos diante do Imperador Alexandre 1° da Rússia. O próprio ator que fingia ser o tal do Imperador jamais tinha como pretensão se aproximar dele, da personagem real… ele próprio, o ator, ao dizer que era o Imperador da Rússia já estava nos avisando de que o que o movia era O FINGIMENTO, jamais desejando estabelecer proximidades, intimidades com o magnânimo Imperador da Rússia. Esse é o teatro velho, o teatro que sempre funcionou na base do disfarce, da zombaria, do faz de conta, da famosa e antiga regra: “não tome o que está vendo por verdade, porque estamos no teatro”.

Ora, Shakespeare foi um excelente cronista do seu tempo real. Molière também, Ibsen, então… Portanto, eram dramaturgos jovens, artistas do recorte social, daquilo que acontecia na Inglaterra, França e Noruega , não velhos, ancestrais… É verdade… mas até certo ponto. Porque tudo isso, esse compromisso com o que acontecia ali, da janela para fora, era uma consequência, não um objetivo. Senão teriam sido jornalistas, não artistas. O teatro sempre trabalha numa medida anterior àquilo que nos acontece, porque ele precisa da metáfora, do símbolo, das ferramentas lúdicas que não batem qualquer continência à verossimilhança das dinâmicas da realidade. A máscara já nasceu velha. Mofada. Porque ela tem outro peso, outra dinâmica, outra velocidade.

Quando um ator representa Hamlet, por mais comprometido que ele esteja com o tempo presente, ele já nasceu morto, ultrapassado, porque houve tantos outros hamlets anteriores a esse que ele representa, que…. seria ridículo dizer: veja, um Hamlet contemporâneo, atual. O homem já passou.

Nós somos o que fomos. Essa é a melhor maneira de compreender quem somos agora, olhando para trás. Essa consciência da incapacidade de ser plenamente contemporâneo trabalha em benefício do contemporâneo. Porque o teatro, ao ser velho, convoca a gente a um outro tipo de raciocínio, evita se transformar em manifesto, em suprimir a fantasia em prol da verdade concreta. Porque o teatro velho insiste com teimosia, como todos os velhos o fazem, naquilo que ele foi, é, e será: um território independente, livre, um lugar de festa em que as mais maravilhosas obscenidades são permitidas. Porque brincar de ser outra coisa é a característica mais perfumada de naftalina que existe.
Um viva ao teatro velho, velhíssimo! Caquético.

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Chico Carvalho

Chico Carvalho

Ator, radialista e apresentador da Rádio Cultura FM de São Paulo. Formado em Artes Cênicas pela Unicamp e em Comunicação Social - Rádio e TV - pela Fundação Cásper Líbero. Mestre e doutor pelo Departamento de Artes da Unicamp.

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