Wisława Szymborska foi uma escritora e poeta polonesa, ganhadora do Nobel de Literatura de 1996. Ela morreu em 2012, mas, se estivesse entre nós hoje, mereceria um Shell do Teatro, um APCA, um Tony, sei lá, busto de bronze dela própria eternizado em cada calçada diante de cada uma das nossas casas de espetáculo. E tanto reconhecimento por conta de um único poema lindo que ela escreveu e que se chama Impressões do Teatro…. Começa assim:
Para mim, o mais importante na tragédia é o sexto ato:
o ressuscitar dos mortos das cenas de batalha,
o ajeitar das perucas e dos trajes,
a faca arrancada do peito,
a corda tirada do pescoço,
o perfilar-se entre os vivos
de frente para o público.
O resto eu não conto, deixo para vocês buscarem na internet ou comprar o livro da Cia das Letras em que este poema está contido, a tradução é de… Mas o poema não é só bonito, ele é de utilidade pública. Porque Wisława Szymborska neste pequeno e precioso texto diz que o que ela mais gosta no teatro é depois que tudo acaba. Depois do cerrar das cortinas, quando a cortina se abre e os atores aparecem para receber os aplausos. Sobretudo, depois disso ainda, quando é possível vislumbrar o contrarregra pela fresta mínima deixada pelo pano da boca de cena, apanhando os adereços deixados no palco pelos atores. E o burburinho indistinto daqueles que vão embora. Resumindo, ela gosta do fim da festa, da ressaca, do apagar das luzes, do desmonte da lona do circo, quando os atores não sustentam mais suas máscaras e pedem licença para se retirarem. Porque nestas circunstâncias – e aqui eu faço uma interpretação do poema da Wisława Szymborska – já não há mais energia para mais nada, é preciso recolher-se, ir embora, apanhar os trapos, apagar aos poucos as luzes! Xô! Terminou, circulando, minha gente…
Mas aí é que está! Essa energia aparentemente frouxa de desmonte é poderosíssima, ela revela e dá suporte ao que veio antes, comprova a incrível audácia de fazer erguer um monumental castelo de cartas que de tão precário que é pode desmoronar num simples sopro distraído de respiração. Isso é o teatro. Um treco frágil que explicita sua força ao demonstrar para nós, nos estertores de tudo, que o que vimos era falso, que tudo aquilo só existia por força de um pacto silencioso entre nós, deste lado da plateia, e os atores do outro lado, no palco iluminado. Neste instante derradeiro, os mortos da tragédia ressuscitam para receber seus merecidos aplausos – e nós não reclamamos – Ei, você estava morto! Volte para o chão! A espada antes afiada e perigosa debaixo dos refletores acesos, agora jaz inofensiva, sendo carregada pelo contrarregra que sabe que aquela lâmina não arranha ninguém. Então, minha gente querida, quando terminarmos um espetáculo, que nós possamos aproveitar essa sensação. Porque desperdiçá-la transformando os instantes finais em um festivo encontro com os espectadores…. Olááááááá povo de Araçoiaba da Seeeerrra! Muito obrigado por terem vindo! Viva o teatroooo! Não, gente, o teatro já aconteceu… Se houve alguma coisa que deveria acontecer, ela já passou, foi… E, portanto, nada de tentar se conectar com o pobre do público justo nesta hora, no momento mais importante de constatação de que a dignidade daquilo que foi construído não sobrevive mais. Vão embora. Tchau… Aproveitemos o teatro inteiro em ruinas, porque só assim será possível reconstruí-lo no dia seguinte.
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