No teatro há uma espécie de crença, entre atores e atrizes, de que o segundo dia de espetáculo não vai tão bem quanto o primeiro. A segunda apresentação é sempre mais temida, raramente tão satisfatória quanto a estreia – de sorte que os cuidados devem ser redobrados. Mas, assim como entrar em cena pela segunda vez, continuar escrevendo sobre o que se ama, é um privilégio. Portanto, vamos ao que interessa.
O tema desta segunda coluna é a atual situação pela qual o teatro está passando nestes dias tão difíceis para todos nós. Em minhas anotações prévias, havia escrito sobre o surgimento do “teatro online” e as opiniões divergentes a esse respeito (é teatro ou não é teatro); como estamos percebendo cada vez mais a importância da cultura durante o período de isolamento social; e como será a retomada dos espetáculos presenciais quando essa terrível pandemia terminar ou for cedendo, a ponto de permitir a volta das nossas atividades normais e artísticas.
Inicialmente, tive a sensação de que essas questões já foram muito debatidas em 2020 e, até mesmo, neste ano – apesar de não parecer, estamos em 2021. No entanto, logo conclui: mesmo que não sejam questões inéditas, ainda é preciso falar sobre como o teatro está resistindo a este momento.
Em primeiro lugar, deve-se reiterar que o teatro é uma arte milenar e desde seus primórdios manteve-se vivo, resiliente. A arte teatral sobreviveu a grandes crises: à execração decorrente de regimes totalitários, duas guerras mundiais, à gripe espanhola no início do século passado, à censura imposta por ditaduras de toda espécie, e, também, resistirá à atual pandemia do coronavírus.
O mundo teatral pode até ficar fragilizado diante de situações como essa a que estamos submetidos, mas o teatro é eterno e sobreviverá a cada um de nós. Logo recobrará as forças e continuará a sua marcha.
Em segundo lugar, naquele único momento, em que plateia e atores estão uns diante dos outros, é que o teatro acontece. Mas, a questão é: nesses dias, em que os teatros estão fechados, e o presencial foi substituído, ainda que temporariamente, pelo digital, o teatro continua existindo? E, mais do que isso, como artistas, técnicos e pessoas que vivem e dependem do teatro podem reagir e sobreviver?
Assim, por obra das circunstâncias nos deparamos com o polêmico “teatro online”. Diversos profissionais começaram a se aventurar pelo espaço virtual em apresentações por plataformas como Zoom e YouTube, por meio de peças gravadas ou por atuações ao vivo e transmitidas em tempo real pelos meios digitais. Digo que se trata de assunto polêmico porque, a partir disso, surgiu a pergunta: representar e ser visto numa tela de computador ou num smartphone é teatro, que seria a arte presencial por excelência?
Creio que essa questão está superada. Trata-se de mais um formato: não é exatamente teatro, não é cinema nem televisão, não é algo, sequer, que possamos nominar por enquanto. Mas, sem dúvida, é uma expressão artística, o meio pelo qual os artistas têm hoje a possibilidade de trabalhar e transmitir a sua arte ao público. Desde os anos 60, tivemos o teleteatro, que foi expressão bem difundida por pelo menos três décadas e nem por isso fez desaparecer os espetáculos presenciais. Ao contrário, pode-se imaginar que esse movimento tenha formado público de teatro. Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg, Ítalo Rossi, Sérgio Britto, Antônio Abujamra, foram alguns dos artistas que se dedicaram ao teleteatro sem, com isso, abandonar as suas raízes teatrais.
O teatro jamais será substituído por este novo formato online, como no passado não sucumbiu ao teleteatro. Isto porque, só o evento presencial é capaz de proporcionar a potência máxima que o teatro possibilita. Mas é possível antever que essas formas de produção artística poderão coexistir. Conhecer textos teatrais, artistas, montagens de peças clássicas ou contemporâneas apenas com alguns clics, é uma oportunidade que deve ser aproveitada.
O meio digital acaba com as distâncias, permite acesso mais democrático. Pessoas que nunca foram ao teatro, ou até mesmo que jamais tiveram a oportunidade de assistir a determinadas montagens, podem ter acesso a tudo isso agora. Há peças gravadas, peças ao vivo, peças estrangeiras e nacionais de todas as partes do Brasil, gratuitas ou a preços convidativos e em horários diversos, com bate-papo com os artistas ao final das apresentações. Enfim, opção é que não falta.
Então, se você – leitor, leitora – já se sentiu contemplado ao ler um bom livro, assistir a um filme interessante, tente incluir na sua programação a experiência do “teatro online”, de maneira que, quando o teatro presencial voltar, você tenha a curiosidade de se aproximar dessa arte tão única. Afinal, o teatro é eterno, mas depende do público para se realizar.
Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.