Clara Carvalho dirige texto inédito de Bernard Shaw sobre a moralidade e o sentido da arte.
O Dilema do Médico, texto escrito e encenado pela primeira vez em 1906, ganha sua primeira montagem no Brasil, com direção de Clara Carvalho e realização do Círculo de Atores. A peça é uma tragicomédia que propõe um contraponto entre ciência e arte e entre talento e moralidade.
Textos recheados de inteligência, humor, elegância, cheio de paradoxos e provocações marcam a obra do irlandês Bernard Shaw (1856 – 1950) e estão presentes na tragicomédia O Dilema do Médico, que estreia no dia 20 de janeiro, sexta-feira, às 20h, no Auditório do MASP. Clara Carvalho dirige Shaw pela primeira vez, em texto inédito no Brasil.
A trama se passa em uma Londres do início do século 20, onde o doutor Sir Colenso Ridgeon (Sergio Mastropasqua) pensa ter descoberto a cura da tuberculose. Ele só pode acolher em sua clínica mais um paciente e é obrigado a escolher entre o jovem artista plástico, talentoso e amoral, Louis Dubedat (Iuri Saraiva), e o moralmente íntegro e modesto médico, Dr. Blenkinsop (Luti Angelleli). No meio dessa discussão, o protagonista se apaixona por Jennifer (Bruna Guerin), esposa do artista, que insiste para que seu marido seja curado. Cabe ao médico uma decisão de vida ou morte.
“O texto tem várias camadas. A peça, numa primeira camada, é uma sátira médica, apresentada aqui em uma conjuntura em que a ciência é tão debatida nos meios de comunicação, sobretudo desde o começo da pandemia, mas ele traz também uma discussão sobre escolhas e uma reflexão sobre a potência da arte. Antes de ser dramaturgo, Shaw foi crítico de arte e de música e a arte era sua verdadeira paixão. A peça mostra que a ciência acaba sempre perdendo o jogo para a morte, mas a grande arte sobrevive. A vida humana física acaba, mas a música e as obras de grandes pintores têm um encanto que permanece”, conta Clara Carvalho.
A personagem Jennifer explicita o lado feminino, uma das características mais marcantes do autor. “As heroínas de Shaw são muito modernas empoderadas. Em Cândida, temos uma dona de casa que tinha uma profunda percepção do que era o casamento burguês; a Senhora Warren é uma proprietária de uma rede de prostíbulos que adora sua profissão e que enriqueceu; A Milionária e Santa Joana também são mulheres independentes que estabelecem destemidamente seus valores. Bernard Shaw acreditava que a mulher era portadora da Força Vital, e que as grandes transformações no mundo aconteciam através delas. Jennifer, a protagonista de O Dilema do Médico, não é apenas uma bela mulher, ela é a personificação da arte e é ela que vai desmontar a presunção masculina e a onipotência científica. As mulheres de Shaw sempre são capazes de ver mais longe e de dar a volta por cima. Elas são contemporâneas e admiráveis”, ressalta a diretora.
Mastropasqua reforçou as razões que o atraíram no texto. “Entre elas estão a superioridade de entendimento e a força das personagens femininas, que “colocam os homens no bolso”, já que Shaw achava que os homens não passam de crianças crescidas. A outra questão é a brilhante desconstrução da profissão médica, demonstrando a busca e os limites de qualquer atividade humana. Como Shaw escreve: “toda profissão é uma conspiração contra os leigos”.
A escolha do texto foi da pesquisadora Rosalie Rahal Haddad, uma das maiores estudiosas da obra de Shaw no Brasil, com livros publicados aqui e no exterior. Após a realização de A Profissão da Senhora Warren, juntamente com Sergio Mastropasqua, Clara Carvalho e a Companhia Círculo de Atores, a equipe tinha vontade de realizar uma nova montagem para um texto de Shaw. Rosalie é também a responsável pela produção geral de O Dilema do Médico.
Os artistas têm uma relação com as obras de Shaw em suas carreiras. Clara Carvalho atuou em Major Barbara, em 2001, em uma produção do Grupo Tapa. Sergio Mastropasqua esteve em cena em Cândida, A Milionária, O Homem do Destino; no ano de 2022, produziu e adaptou 4004 A.C. – A Origem. Ambos atuaram juntos em A Profissão da Senhora Warren que tinha a direção de Marco Antônio Pâmio.
“Shaw é um autor absolutamente popular. A experiência nos mostra que ele dialoga com pessoas de todas as classes sociais e diferentes formações. Ele não subestima, nem tenta direcionar o espectador. Deixa espaços a serem preenchidos pelo público. A inteligência e a cadência de seus diálogos nos dão a sensação de já sabíamos de tudo aquilo que presenciamos, só faltava estarmos ali, na plateia, para entender que aquilo desde sempre nos pertenceu. A junção de inteligência, estrutura cômica, pensamento social e uma genuína crença de que a humanidade é passível de aprimoramento, são alguns dos bons desafios que nos fazem admirar tanto esse autor”, enfatiza Mastropasqua.
Para conversar com o enredo da história e com o local da temporada da peça, além de ser responsável pela cenografia, Chris Aizner é responsável pelas obras de arte em cena. O cenário não-realista é composto por painéis móveis, inspirados na estrutura criada por Lina Bo Bardi para a disposição dos quadros no MASP. O figurino da Marichilene Artseviscks é uma mescla da época em que se passa a trama com um lado também contemporâneo. A montagem ainda conta com trilha sonora original de Gregory Slivar e luz de Wagner Antônio.
O Dilema do Médico, texto escrito e encenado pela primeira vez em 1906, é a 14º peça de Shaw, resultado de uma provocação feita por seu amigo, o dramaturgo e crítico teatral escocês William Archer. “Segundo Archer, Shaw seria um dramaturgo limitado enquanto não enfrentasse a morte em suas peças e as circunscrevesse apenas ao entrechoque de ideias e discussões morais. De fato, Shaw tinha horror ao melodrama do século XIX e buscava em seus textos radiografar como as contradições econômicas e os conflitos sociais permeavam o entrechoque de seus personagens. Shaw então aceita o desafio do amigo e escreve esta tragicomédia, seu único texto em que uma morte acontece em cena”, conta Clara.
FICHA TÉCNICA
Direção: Clara Carvalho.
Elenco: Sergio Mastropasqua (Colenso Ridgeon), Iuri Saraiva (Louis Dubedat), Bruna Guerin (Jennifer Dubedat), Oswaldo Mendes (Sir Patrick Cullen), Rogério Brito (Cutler Walpole), Renato Caldas (Sir Ralf Boomfield Bonington), Luti Angelleli (Blenkinsop), Guilherme Gorski (Schutzmacher), Nábia Villela (Emmy), Márcia De Oliveira (Minnie), Rogério Pércore (Redpenny, Morte e Secretário) e Thiago Ledier (Jornalista).
Trilha Original: Gregory Slivar.
Cenário: Chris Aizner.
Figurino: Marichilene Artisevskis.
Iluminação: Wagner Antônio.
Assistente De Direção: Thiago Ledier.
Produção Geral: Rosalie Rahal Haddad.
Produção: SM Arte Cultura.
Direção De Produção: Selene Marinho.
Coordenação De Produção: Sergio Mastropasqua.
Direção de Palco: Henrique Pina e Ângelo Máximo
Assessoria De Imprensa: Adriana Balsanelli e Renato Fernandes.
Fotos: Ronaldo Gutierrez. Cenotécnico: Alício Silva.
Operador De Som: Valdilho Oliveira.
Operador De Luz: Dimitri Luppi.
Camareira: Elisa Galdino.
Costureira: Judite Geronimo de Lima.
Realização: Rosalie Rahal Haddad e Círculo de Atores.