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Foto: Evila Carolina
Foto: Evila Carolina

Narrativas costuradas e bordadas à mão

Pioneiro no país na produção de cenários têxteis para contação de histórias, resultando em incríveis diálogos entre literatura, teatro e artesanato, o grupo Tapetes Contadores de Histórias brilha em mais um espetáculo de puro encantamento e temáticas de forte valor formativo

Crítica Por Dib Carneiro Neto

A arte de narrar histórias é uma arte milenar que se renova constantemente, ainda que seja umas das formas mais antigas de comunicação humana. Quando surgiu a linguagem oral, então surge junto a tal da contação de histórias. O talento e a técnica dos trovadores, xamãs, menestréis, griôs, ou seja lá como esses artistas são chamados em suas culturas, se aperfeiçoam cada vez mais, ganhando até status de dramaturgia. Eles foram parar em outros modos de expressão artística, como o rádio, o cinema, a televisão, a internet, as redes sociais e, claro, o teatro. Com figurinos, cenografias, adereços, trilha sonora, coreografias… Espetáculos completos.

Foto: Flavio Salgado

No Brasil, sediado no Rio de Janeiro há nada menos do que 25 anos, temos, por exemplo, Os Tapetes Contadores de Histórias, um dos mais respeitados, premiados e famosos coletivos de narração de histórias que este Pais já conheceu. Até 22 de dezembro, eles estão em São Paulo, em cartaz na Caixa Cultural da Praça da Sé, com mais um projeto incrível, Viajando com Tapetes Contadores, que inclui um espetáculo de contação, uma criativa exposição interativa e, ainda, suas disputadas oficinas. Aconteceu comigo: ao sair do espetáculo (sempre aos sábados e domingos, às 15 horas, de graça, para uma lotação de no máximo 45 pessoas), impossível não ficar entorpecido por um tempo, diante de tanta sensibilidade e delicadeza. Eles não contam histórias, eles encantam as histórias.

Para quem ainda não os conhece, o maior diferencial desse grupo de atores-contadores é que seus integrantes criam e costuram tapetes, painéis, malas, aventais, roupas, caixas e livros de pano como cenários dos contos marrados. É uma festa de ‘artesania’, por assim dizer. Tudo o que a gente vê foi feito por eles, pensando no enredo da história. Uma explosão de cores, texturas, encaixes, apliques, fitas, babados – sempre os adereços certos para cada reconto. É um prazer indescritível vê-los “casar” o que narram com os objetos cenográficos que vão tirando dos bolsos acoplados aos tapetes. A gente viaja em cada detalhe e se deslumbra com a riqueza de informações e a ludicidade cenográfica incontestável.

Foto: Evila Carolina

Rosana Reátegui e Warley Goulart revezam-se para contar as três histórias do espetáculo. Ele é também o coordenador geral e curador deste projeto. No cardápio do dia em que estive lá, havia um conto egípcio, outro inglês e, por fim, um do Brasil. Não são sempre os mesmos contos, de forma que você pode voltar mais vezes e nunca verá nada repetido. Tudo o que é narrado chega acompanhado de encantamentos adicionais advindos da cenografia e dos adereços. O fluxo narrativo se torna leve, atraente, rico em detalhamentos.

Rosana e Warley têm a “manha”, como se diz. A voz sempre no lugar certo, os olhos igualmente atentos ao olhos do público, a cadência da narração nunca é descuidada, os silêncios nas horas certas, as sílabas que elegem prolongar, os sorrisos que intercalam às frases. Engenho e arte. Muito treino prévio, muita técnica e nenhum medo de se emocionar junto com o público. Foi o que observei nos dois. Ambos também usam o recurso da coloquialidade aproximativa, intercalando à narração do conto seus comentários pessoais, às vezes afetivos, às vezes espirituosos e brincalhões. Também não abrem mão de frases com rima, que a gente ouve como se fossem música. Um, dois, três… o feitiço se desfez. No conto brasileiro, Gabi de Bigode, de Tino Freitas, isso é fácil, pois o livro já é todo rimado: Fui eu que fiz, combina com meu nariz. Eu tenho um macete, é só usar capacete. E assim por diante. Delicioso de ouvir.

Foto: Flavio Salgado

Importante registrar também o quanto o grupo não oferece só o belo pelo belo, a poesia meramente contemplativa e o entretenimento envolvente. Tudo isso está lá, o tempo todo, mas eles sabem o poder que cada história contada tem sobre a formação ética e moral das crianças, por isso também escolhem temas fortes, atuais, urgentes, além dos universais e atemporais, como o valor da amizade, da lealdade, da solidariedade. Gabi de Bigode, por exemplo, é uma história sobre ser diferente e passa de perto pela tão importante questão de gênero. Para arrematar esse conto, Warley Goulart fez até uma divertida e inteligente paródia de Cabeleira do Zezé, que virou “Olha o bigode da Gabi!”. Ao final, distribuem bigodes de plástico para a plateia e vira um delicioso carnaval.

Foto: Andressa Anholete, Jonatas Marques e Renato Mangolin / Divulgação

 

Nota: As informações e opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu/sua autor(a), cujo texto não reflete, necessariamente, a opinião do INFOTEATRO.

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Dib Carneiro Neto

Dib Carneiro Neto

Jornalista, dramaturgo e crítico teatral. Começou a escrever críticas sobre teatro infantil em 1990, na revista Veja São Paulo. Foi editor-chefe do caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo (2003 a 2011). Atualmente, edita o site e canal do youtube Pecinha É a Vovozinha, que ganhou o Prêmio Governador do Estado em 2018, na categoria Artes para Crianças, além de menção honrosa no Prêmio Cbtij. Por sua peça Salmo 91, ganhou o Prêmio Shell de dramaturgo em 2008. Em 2018, ganhou o Jabuti pelo livro Imaginai! O Teatro de Gabriel Villela.

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