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Teatro NÃO é um manifesto político

Coluna Por Chico Carvalho

Bertolt Brecht talvez tenha sido o dramaturgo, diretor e homem de teatro mais preocupado com a política, mais preocupado em não fazer política com suas peças de teatro nos palcos da Alemanha no período da Segunda Grande Guerra. Sei que é uma redundância, afinal, tudo é política, e mesmo aquilo que se pensa isento de ideologias já carrega um imenso cabedal ideológico. Portanto, o importante é saber que somos agentes políticos, ter consciência daquilo que se fala e daquilo que se faz, e que aparecer diante do outro em um palco de teatro exige sim um compromisso ético e político. Mas, tudo isso é muito diferente de fazer política em cima de um palco de um teatro. Fazer política em um palco de teatro é diferente de agir politicamente como um ator que se propõe a subir em um palco de teatro e a representar uma personagem de ficção. Um manifesto não é uma peça de teatro. É um manifesto. E Brecht sabia disso, tanto sabia que suas palavras nos alertam o tempo todo para algo fundamental quando o interesse é fazer teatro: abastecer o teatro de um repertório de moralidades é matá-lo. Torná-lo um veículo de propaganda política é matá-lo. O fim primeiro e último do teatro deve ser divertir, e a diversão é uma causa que não necessita ser advogada, ela basta por si. Vejam que interessante: Brecht, o dramaturgo mais engajado politicamente fugia de transformar seu teatro em manifestos políticos, e, no entanto, suas peças são verdadeiros universos de esclarecimento sobre essa coisa contraditória e controversa chamada ser humano; são, portanto, peças de alcance político. Mas, sobretudo, são peças artísticas que tratam o teatro naquilo que lhe é próprio – um lugar de construção de fábulas, historinhas inventadas ou forjadas por intermédio de milhares de referências chupadas da realidade. O ator não é a personagem que ele representa; e, sendo ator, em algum instante ele deverá agir como ator, ou seja, representar. O teatro é um lugar onde atores terão a chance de brincar com outros contornos de expressão, outras vozes, outro tônus muscular e, inclusive, podem experimentar o divertido jogo de vestir e desvestir de máscaras diante do espectador… fingir e depois revelar: olhem como eu finjo…, vejam como sou um exuberante fingidor.  Mas tudo isso por intermédio desse compromisso ético e político que é compreender que fazer teatro como ofício exige um entendimento de que o palco é um território livre de pressupostos prévios e ideológicos, que o espaço revolucionário que pode ser investigado no teatro pressupõe que seus participantes o tratem naquilo que lhe é essencial: um espaço de invenção, de criação, e não de adequação àquilo que a sociedade fora dele necessita para transformar o mundo em um lugar mais justo. Esse tipo de justiça não encontra eco e nunca encontrará ressonância em um palco de teatro. Teatro não é um lugar de pregação, doutrinação ou de adesão… É antes um canal infinito de abertura para loucuras desproporcionais, fissuras alucinantes, êxtases arrebatadores, e, claro, de comunicação de mensagens através das fábulas e histórias dispostas diante da plateia. Tudo isso não é controlado, não é analisado, não cabe em um painel excel, ou é impossível registrar em laudas de necessidades a serem aplicadas quando as cortinas subirem para o correto transcurso do espetáculo. E ele, o espectador, deverá trabalhar também…, porque diferente de uma assembleia política, o teatro não divulga ideias para serem absorvidas, compreendidas, deglutidas para futura adesão de seus correligionários.

Digo tudo isso porque soube por uma amiga que uma professora de teatro entrou na sala de aula e disse assim para os alunos: O teatro tem uma reparação histórica a ser feita: Até que os ponteiros da justiça estejam ajustados: as personagens que se ajustam às minorias e a parcela fragilizada por opressões sociais devem ser representadas por atores e atrizes que pertencem às minorias e às parcelas fragilizadas por opressões sociais. Ou seja, o que essa professora de teatro em sua verve política quer ensinar aos seus pupilos é uma técnica bastante aprimorada e rudimentar de matar o teatro. E isso não digo eu, quem diz é Brecht, o dramaturgo mais politizado e engajado que já existiu.

Nota: As informações e opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu/sua autor(a), cujo texto não reflete, necessariamente, a opinião do INFOTEATRO.

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Chico Carvalho

Chico Carvalho

Ator, radialista e apresentador da Rádio Cultura FM de São Paulo. Formado em Artes Cênicas pela Unicamp e em Comunicação Social - Rádio e TV - pela Fundação Cásper Líbero. Mestre e doutor pelo Departamento de Artes da Unicamp.

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