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Uma conversa com Denise Weinberg e Clara Carvalho sobre a parceria no teatro

Coluna Por Natália Beukers

Cada vez mais, percebo que o teatro é uma arte coletiva! Fazer parte de um grupo, encontrar parceiros de cena, me parece ser essencial para uma trajetória sólida, de sucesso. Nessa semana, tive a enorme satisfação de conversar com as atrizes Clara Carvalho e Denise Weinberg! Quantos aprendizados… Relacionados à arte de representar e à vida!

Ambas, integrantes fundamentais para o desenvolvimento do Grupo TAPA, são artistas de reconhecida qualidade na arte da interpretação e tudo mais que envolve o teatro. A primeira vez que assisti Clara e Denise juntas no palco, em As Criadas [de Jean Genet], foi inesquecível. Mal posso esperar para vê-las em cena novamente! São mais de 30 anos de parceria nos palcos, envolvendo diversas montagens… Enfim, elas contarão essa história melhor do que eu.

Abram-se as cortinas. Com vocês, Clara Carvalho e Denise Weinberg!

Como vocês se conheceram?
Clara Carvalho
: A gente se conheceu no teatro, no Grupo Tapa, lá no Rio de Janeiro [cuja origem foi a Cidade Maravilhosa, hoje com raízes fincadas na capital paulista]. Na verdade, eu conheci a Denise antes de ela me conhecer. Porque eu fui assistir a Denise fazendo Tio Vânia [de Anton Tchekhov], lá no Teatro dos Quatro. Eu não sei que ano era aquilo, acho que 1985…

Denise Weinberg: 1982.

CC: Nossa, foi há tanto tempo…

DW: Agora, a minha versão do conhecimento da Clara! Ela tinha feito um curso na CAL [Casa das Artes de Laranjeiras], com o Eduardo Tolentino. E nós estávamos com um projeto no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, que era o Festival de Teatro Brasileiro, de autores como Martins Pena, Arthur Azevedo… E, paralelamente, eu estava com o Eduardo trabalhando O Tempo e os Conways [de J.B. Priestley], que era uma peça maior, no sentido do realismo, o que a gente mais queria pesquisar naquela época. Aí a Clara chegou! Era bailarina, interessadíssima em teatro, tinha feito Letras na PUC, e ela chegou chegando!

Vocês têm ideia de quantas peças, aproximadamente, fizeram juntas?
CC
: Mais de 20…

Denise Weinberg e Clara Carvalho (Foto: Ronaldo Gutierrez / Divulgação )

E ao que se deve essa afinidade em cena entre vocês?
CC
: Eu acho que é uma coisa muito misteriosa. É uma sintonia em vários níveis. Acontece de você ter uma identificação de humor, de sensibilidade, até de história, de referências, da vida, de afetos, do universo que você habita e compartilha com a outra pessoa. A gente acabou tendo essa aproximação porque praticamente “imigramos” juntas para São Paulo, não foi só o fazer teatro.

A gente mudou de cidade! A gente deixou uma vida de Ipanema, Leblon, Rio de Janeiro, e verticalizamos uma opção – eu, Denise, Guilherme [Sant’Anna], Brian [Penido Ross] – que teve para nós um custo muito alto. É isso que salva! Se a gente não tivesse essa rede entre nós, a gente não teria aguentado. E temos um respeito muito grande, uma admiração muito grande, uns pelos outros. Isso é o lastro de tudo! Sempre tive pela Denise uma profunda admiração. As coisas que fui conquistando como atriz, é porque tinha ela na minha frente.

DW: Eu acho que a coisa mais preciosa, no ser humano, é a intimidade, a confiança. Eu acho que no TAPA há entre todos uma confiança eterna. Eu olho para o Guilherme, eu tenho confiança. Eu olho para o Eduardo, eu tenho uma confiança plena. Eu olho para a Clara, e tenho uma confiança plena em cena, com o Zé Carlos [Machado], Brian… Porque essa história que a Clara contou… A gente abandonou nossa cidade. O preço foi muito alto… meu filho ficou no Rio. Graças a Deus ele entendeu e hoje está tudo bem. Eu dirigia o carro da Clara, depois da sessão de domingo, para ir para o Rio ver meu filho. Fiz isso anos na minha vida… Nós todos passamos muita coisa juntos. Somos testemunhas oculares de muitas coisas, boas e ruins.

Nós atravessamos tudo juntos. E isso, sabe Natália, ninguém tira. Eu acho, aos 65 anos, que esse é o ouro da minha vida, a intimidade que eu tenho com essas pessoas. Isso vem de uma parceria cênica. Não é que éramos amigas e fomos fazer teatro, pelo contrário, fizemos teatro primeiro. O teatro é a radiografia da alma. Eu tenho confiança nela [Clara], e ela em mim. Esse é o barato do jogo cênico. Isso é muito raro. A nossa história teve um preço pessoal muito alto, saímos de nossa cidade, de nossas famílias… viemos bancando teatro para, infelizmente, acabar morrendo na praia.

Denise Weinberg e Clara Carvalho (Foto: João Caldas / Divulgação )

Por que você diz isso?
DW
: Porque eu acho que o teatro não volta mais a ser o que era… Aquilo que eu passei, de fazer teatro de terça a domingo, isso foi em outra encarnação. E é isso que eu gosto de fazer. Não estou criticando, mas mudou. O que a gente passou… Fomos abençoadas, Clara. De termos aprendido, de termos feito…

CC: Essa vida no teatro, que a gente conseguia levar, fazer, essa dimensão… não gosto nem de pensar, tudo ficou fragmentado. Mas, de alguma forma, a gente continua! De alguma forma a gente vai, a gente vai continuar, entendeu? Eu sei que a gente vai. A gente está aqui. A gente vai. O olho brilha, o fundo do olho brilha… Apesar dessa coisa absurda que estamos vivendo. Só fica quem gosta muito mesmo. Porque teve muita renúncia, muito atrito de família, meus pais acharam um absurdo: “Como assim! De repente…”. É uma mudança de expectativa tão grande…, mas você banca, você vai indo… você sabe que aquilo é legal para você. Que por ali que vai teu coração, sua felicidade.

DW: Tem que ter a vocação. Tem gente que tem talento, mas não tem vocação. Não gosta de ir toda noite para o teatro, aquecer, fazer aquilo todo dia. A Fernanda Montenegro fala uma coisa que eu acho incrível, que se você não respeita, não reconhece a sua vocação, você vai ficar sempre devendo alguma coisa à vida. Você pode viver bem, mas lá no fundo, tem alguma coisa que não está legal. E eu acho que é isso, eu não me arrependo de nada do que eu fiz. É aquele famoso tripé: treinamento, disciplina e fé! Isso nos moveu e fez com que chegássemos onde chegamos hoje, cada um de nós. Como dizia minha avó: o que a gente leva da vida, é a vida que a gente leva.

Nesses mais de 30 anos de parceria, o que vocês aprenderam uma com a outra?
DW
: Eu acho que a Clara veio para potencializar algo que eu já tinha, que era a disciplina. Mas eu era sozinha. Então, a Clara quando chegou, como veio trazendo uma bagagem de bailarina, que exige uma disciplina física enorme, isso para ela era normal. Eu já achava que era em cima da repetição, mas a Clara me trouxe o entendimento de que a repetição é algo extremamente importante e criativo, e não chato, muito pelo contrário!

CC: Eu me fortaleci muito na convivência com a Denise. Porque a Denise é uma pessoa que se coloca, ela tem muita coragem. Uma mulher muito corajosa, firme. A palavra é coragem. Eu sou uma pessoa mais tímida, mais para dentro. E eu aprendi com a Denise, tive essa convivência, esse treinamento de se colocar, de ter coragem, de ir mesmo. De falar o que pensa. Ela é uma fortaleza. Isso repercute na atriz, é um tônus. A Denise é uma mulher de tônus. E esse tônus a gente aprende também. Eu não teria isso, que eu desenvolvi, se eu não tivesse treinado, e visto o tônus da Denise. Isso é uma coisa muito importante, o estar presente, naquela hora, naquele lugar. É tônus e aterramento. São qualidades incríveis! E isso é uma coisa que a Denise irradia, sempre irradiou. E isso é para sempre.

DW: Foi isso que irradiou no TAPA. A gente fazia acontecer… Porque nós fazíamos! Acho que esse foi o nosso grande ganho. Aí você [Clara] começou a dirigir, eu também. Foi a partir daí que nós começamos a desabrochar em outros lugares. Porque a gente nem sabia que a gente sabia fazer! Depois nós dirigimos juntas, tivemos esse grande privilégio, no A Máquina Tchekhov [de Matéi Visniec]. Foi uma delícia.

Denise Weinberg, Natália Beukers e Clara Carvalho em conversa virtual no dia 02 de junho de 2021. (Foto: Acervo Pessoal )

E quanto ao futuro? Algum projeto guardado?
CC
: Guardado não, mas essa vontade sempre existe. É permanente.

DW: A vontade é o que nos move.

CC: Eu tenho a maior vontade em fazer coisas com a Denise. É um sonho. Na minha cabeça a gente vai fazer, é lógico que vai.

Denise, neste momento final, tem alguma pergunta que você gostaria de fazer para a Clara?
DW: Tenho várias…, mas vamos por um viés. Se existe, até agora, na sua trajetória, Clara, se existiu algum momento que você achou que poderia ter sido de outra forma, que deu vontade de experimentar outras coisas, ou que deu frustração por não ter experimentado outras, qual foi?

CC: No todo, eu acho que não faria diferente. Eu acho que eu fiz a coisa que eu queria mesmo, que deu certo. É bom estar aqui também, onde a gente está. Eu me arrependo das coisas que eu não fiz. Teve duas coisas que eu fiquei muito triste. Por exemplo, O Testamento de Maria [de Colm Tóibin], que eu ia fazer, e que não fiz, porque não deu para mim…E foi maravilhoso, porque a Denise fez! E outro momento que eu fiquei triste, foi quando eu ia fazer uma peça, eu tinha fechado um ano inteiro para aquilo acontecer, e não aconteceu.

Fiquei muito triste. Mas são coisas menores… Eu acho que enfrentei a mim mesma muitas vezes. E eu tenho orgulho de ter me enfrentado. Eu tive muitas questões, mas, no geral, eu acho que eu encarei. Eu não tenho assim uma coisa que eu tenha ficado devendo, mesmo, para mim. Eu tenho orgulho do que eu fiz.

DW: E tem que ter mesmo! Você encarou bem, minha amiga. Encarou bem, minha irmã. Rompeu com um monte de coisas, você sabe disso.

CC: Sim… Também tem uma outra coisa. Eu não tenho aflição de envelhecer. Eu acho isso bom para mim. Eu acho que a minha vida foi ficando melhor à medida que fui ficando mais velha.

DW: Eu também, com certeza. É interessante isso… Eu sofria tanta coisa, e agora é mais easy, bem menos doloroso.

Clara, e você? Tem alguma pergunta para a Denise?
CC: Não sei… acho que a Denise é tão aberta… Mas tem uma coisa, sim! Eu acho que uma coisa só não vai ser a resposta, mas você teria algum trabalho que foi essencialmente transformador para você, ao longo da vida? Eu sei que devem ter vários…

DW: Não, não… Tem, bem pontuais mesmo. E tem aqueles que não abriram portas, que fecharam portas também, mas tiveram, sim, trabalhos transformadores! Teve uma parceria que foi muito importante, pessoalmente, de mulher para mulher. Que foi A Megera Domada [de William Shakespeare]. A Clara tinha acabado de ter neném, a Helena. Ali eu olhei a Clara com outro olhar, a vocação dela para aquilo. Agora, artisticamente falando, tecnicamente falando, eu, como atriz, a Sra. Klein [de Nicholas Wright].

Foi uma virada de repertório, que fiz eu, Clara e Ana Lucia Torre: foi uma virada na nossa maneira de atuar. Aquilo, para mim, foi um ponto. Como para você também. A gente trabalhou muito ali, como eu nunca trabalhei em nenhuma outra peça, nós duas. Acho que nunca conseguimos chegar naquela excelência que a gente chegou. Foi muito bom.

CC: Essa, eu destaco especialmente nesse sentido. Era uma coisa muito profunda, éramos nós três. Todo mundo produziu. Para mim, foi um desafio enorme como atriz. Foi a primeira vez que fiz um papel assim, gigante, com dois atos. Foi bem puxado, um divisor de águas.

DW: Teve outra que, para mim, foi profundamente importante: Vestido de Noiva [de Nelson Rodrigues], nós ficamos anos fazendo. Eu, Clara, Zécarlos Machado. A gente criou ali uma parceria muito forte… foi, para mim, um trabalho icônico. Não só por premiação, mas porque eu adorava fazer aquilo. Eu adorava fazer aquela peça. Tudo o que a gente trabalhou durante aqueles seis, nove meses, foi tão bom… E, no cinema, eu tenho Salve Geral como icônico para mim, que me abriu uma porta para o mundo! Foi onde entrei no cinema, e devo isso ao Sérgio Rezende, ao diretor.

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

 

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz e criadora do Portal Infoteatro, formou-se em Direito pela PUC-SP (2020). Começou a estudar teatro aos 10 anos, formando-se como atriz em 2017. Entre 2017 e 2021, estudou com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”, além de ter sido assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. Professora de teatro desde 2022, atualmente cursa licenciatura no Célia Helena Centro de Artes e Educação. Embaixadora do Teatro B32, também já colaborou com a Folha de S. Paulo e com o segmento 'Vogue Gente', da Vogue Brasil, entre 2021 a 2023, onde publicou mais de 50 textos sobre teatro. Desde a criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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