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Marisa Orth: “Vamos revalorizar o teatro”

Coluna Por Natália Beukers

Olhar para os 40 anos de carreira de uma artista consagrada como Marisa Orth, para uma jovem atriz como eu, além de ser uma inspiração, pode transmitir a ideia de que esta artista atingiu a segurança e estabilidade na profissão que buscamos alcançar um dia. Mas, com Marisa, isto foi além: ela explicou que não é bem assim.

Depois de tanto tempo atuando e de um sucesso inquestionável, a atriz, dona de tempos cômicos precisos, artista multifacetada, se desafia ao encenar seu primeiro monólogo, Bárbara.  Aprendi com Marisa Orth que viver de teatro, ser ator, atriz, é viver em risco. E isso é maravilhoso!

O texto da peça Bárbara é inspirado no livro A Saideira: Uma dose de esperança depois de anos lutando contra a dependência, de autoria da jornalista Barbara Gancia. Trata-se de Bárbara, personagem que enfrenta a dependência alcoólica – tema muito pertinente e que, muitas vezes, deixamos de pontuar.

Assim, para quem quer se divertir assistindo a uma peça de qualidade, e ver, ao vivo, uma atriz na maturidade de seu entendimento cênico, e, ainda, pensar nos vícios que assolam a sociedade atual, não pode deixar de assistir ao espetáculo.

Aqui, uma conversa exclusiva com Marisa Orth.

Qual a sensação de estar novamente em um palco, com a plateia lotada, depois de tudo o que passamos nos últimos anos?
É maravilhoso! Se a peça fala sobre dependência, posso dizer que sou um pouquinho dependente disso aí. Estava com muita saudade mesmo… e, ao mesmo tempo, fiquei mais nervosa. Em dois anos voltei a ficar nervosa como não ficava… quer dizer, sempre ficamos, não é? Mas eu estava espetacularmente nervosa dessa vez. Porque era um monólogo, e vai que tirei todo mundo de casa, pessoas que estão fazendo concessões para ir ao teatro, e acaba sendo ruim? Então tinha a obrigação de fazer uma boa peça. Porque parece que, depois desse tempo, valorizamos ainda mais o encontro.

Acho que durante a pandemia, a gente valorizou muito – mesmo vocês jovens –, coisas que antes a gente não valorizava. Como, por exemplo, o telefonema de um amigo, uma visita, um abraço, uma comida de restaurante, o sol. Não é normal a gente pensar no sol, muitas vezes a gente nem repara nisso. Mas tenho um filho de 22 anos e comecei a ver que ele também começou a valorizar essas coisas.

O teatro é a celebração do presencial, e a pandemia valorizou o encontro presencial. A gente percebeu qual é a diferença. Porque de série boa está cheio, tem milhões. E boas mesmo. Filmes, você pode ver em casa. Agora, o teatro, é a celebração do encontro de dois seres. É aqui e agora, já. Então vamos revalorizar o teatro, sentir de novo. E acho que a peça, neste ponto, cumpre o seu papel. Não é uma série “teatrada”, é um encontro. Vou lá e cutuco as pessoas; elas saem mexidas, isso é teatro. Tem que mexer. Acho que é um pouco isso que senti, depois da pandemia e de fazer essa peça.

Quais foram ou estão sendo os maiores desafios ao interpretar um monólogo?
Manter o ritmo… primeiro monólogo da minha vida. É aquela coisa de equilibrar os pratinhos, porque tem que passar a emoção, mas não pode deixar cair a cena. E fui bem dirigida, o Bruno Guida (diretor de Bárbara) é muito bom.

Marisa Orth (Foto: Bob Wolfenson/Divulgação)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Você sente que o público espera sempre de você a comédia? Como é transitar por um texto com momentos mais densos como em Bárbara?
Sempre fui uma atriz dramática. A televisão é que me trouxe a comédia. Quando me formei na EAD (Escola de Artes Dramáticas), eu era dramática, trágica. E fui descobrindo o humor depois. E… não vejo muita diferença, não acho que tenha tanta diferença. Quer dizer, o autor escreveu um determinado texto, se você fizer direito, você vai seguir o que ele escreveu. Então se ele escreveu uma tragédia bem escrita, você vai fazer uma tragédia, e é a mesma coisa na comédia. Então o nosso ofício não muda muito. O texto está ali, não é você que escolhe o que fazer. Nesse ponto digo que comédia e drama não têm tanta diferença. A diferença é no sentido de que você sai, sim, do teatro mais perturbada.

É um assunto triste, é profundo, e é lindo, edificante, porque tem saída. A Barbara [Gancia] tem essa pegada. Se você ler o livro – que recomendo muito –, ela fala de desgraças, rindo. A levada da Barbara é que ela está rindo, e, às vezes, quando você fala sobre algo muito doloroso, de maneira prática, toca mais, reverbera mais no outro. Se o ator já está sofrendo, a pessoa que está assistindo se isenta de sofrer. Quando a pessoa que está em cena está bem, quem sofre é o público. Foi um aprendizado que tive dessa vez.

Olhando para trás, para a Marisa no início da carreira, como é estar completando 40 anos de carreira, com tantos sucessos no teatro, no teatro musical, na televisão, no cinema?
Não faz a menor diferença. Nervosa igual. Nunca fiz um monólogo, estou me sentindo no começo. Mas já tenho um domínio, hoje, de palco, que eu não tinha. Mas o que me deu muito isso foi show. Faço muito show, canto também. Então, hoje, não tenho problemas com a plateia, é bom. Prefiro fazer a peça com plateia ao invés de sem. Isto é, para mim é mais difícil ensaiar do que me apresentar. Porque uso, me apoio nas pessoas, nas reações delas. Isso aprendi a fazer em 40 anos de carreira. Agora, se vão gostar de mim, se sou boa, isso não mudou nada. Continuo achando que vão descobrir tudo, que não sou boa, isso é igual… A gente não tem talento, a gente tem sequela, angústia. Ser atriz é a limonada que a gente faz com o limão, entendeu? Você se sente esquisita, não se encaixa, nós somos muito carentes.

Se você fizer sucesso, quando você fizer sucesso, é você não acreditar. Porque o trabalho fez sucesso, agora, você, continua naquela angústia de sempre. Ao mesmo tempo, é uma felicidade enorme poder viver dessa nossa “angústia”. Quando era mais nova, quase não saia aos finais de semana… porque eu iria para uma praia, se eu podia criar uma praia no teatro? Queria ir para o teatro, no final de semana só queria fazer cena, show, espetáculo. Nesse ponto é muito legal. Desde que nasci quero ser atriz. Mas fiquei com medo de, na minha adolescência, destruir a minha atriz. Porque eu era muito crítica. Achei que eu mesma ia me criticar. Só que eu sabia que era atriz, aí guardei isso lá dentro. Eu me formei em psicologia, mas no fim da faculdade prestei Escola de Artes Dramáticas e entrei. Mas porque eu tinha dito, para mim mesma, que era atriz, eu ouvi. Não é para os outros que você tem que falar, você tem que dizer para você.

E, também, tem outra coisa! Você não pode julgar as pessoas por tempo de carreira. Você vai julgar a Amy Winehouse por tempo de carreira? Não foi incrível o que ela fez? Ou então, os próprios Beatles! Isso é bobagem… você pode fazer em três meses uma coisa que vai mudar a sua vida completamente, ou trabalhar durante 20 anos com algo que ninguém vê. Por isso que é bom ser ator, porque muda um monte de paradigmas. Mas isso é para o bem e para o mal, porque as vezes pode dar certo, mas também pode dar errado, acontece. Profissão de risco. Então a gente tem que ser sempre humilde; sendo humilde, dá tudo certo. E o que é bonito na nossa profissão é que ela é, de fato, democrática. Aprendi a ser democrática de verdade, sair das caretices, porque este é um País difícil… então neste País é muito legal o teatro, porque é outra lei. É a lei do povo.

O que o teatro te ensinou de mais importante?
Que todo mundo é igual, aprendi profundamente isso. Profundamente. É onde todo mundo se encontra. Assim como na morte, no sexo, no amor, no teatro também. Gosto muito disso, dessa coisa de tirar os mantos, os crachás, as credenciais: “Eu sou isso…”; “Então está bom, vai lá e faz a Julieta, que eu quero ver! Convença o público!”.  É essa coisa da simplicidade mesmo, do ser artista, é artesanal. Não precisa nem de tecnologia, não precisa de nada. Nosso suporte é o ar. Só precisa ter ar. Subo em um caixote, você está aí, eu aqui e a gente começa. Mais nada. É isso que aprendi.

BÁRBARA
22 de outubro a 12 de dezembro de 2021.
Sextas-feiras e sábados, às 21h; domingos, às 18h.
Teatro FAAP: R. Alagoas, 903 – Higienópolis.

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz, criadora do Infoteatro e colaboradora de Cultura da Vogue Brasil, tendo escrito mais de 50 textos até então. Formada em Direito pela PUC-SP (2020), começou a estudar teatro aos 10 anos de idade, formando-se como atriz em 2017. Estudou, de 2017 a 2021, com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos do grupo: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”. Foi assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. A partir da criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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