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Novas perguntas para velhas questões: é a isso que se propõem o novo Instituto Brasileiro de Teatro

Coluna Por Natália Beukers

Teatro não é mercado”. Já ouvi essa afirmação inúmeras vezes… A questão é: por mais que o teatro seja artesanal, com uma estrutura completamente dionisíaca, pensar em como esta arte pode se inserir no meio capitalista em que vivemos é essencial. Não há mais tempo para romantizarmos o “fazer teatral”: não há teatro sem investimento – pouco importando seja ele público ou privado! E já está mais do que provado: não há boa cultura e educação de qualidade sem teatro. Logo, por que não pensarmos em meios de articular o teatro com o mercado de forma mais efetiva? É necessário pensar o teatro também como um “negócio”, de modo que seu desenvolvimento possa cumprir as elevadas finalidades sociais dessa arte.

Esse questionamento, que vem mobilizando os meus pensamentos desde algum tempo, também provocou a união de cinco jovens atores, que tiveram a sagaz ideia de criar o Instituto Brasileiro de Teatro (IBT), e que a partir de agora pertence a todos nós, integrantes da classe teatral brasileira – esse é o objetivo do grupo. São eles: Guto Portugal, Elisa Volpatto, Oliver Tibeau, Samya Pascotto e José Aragão. É preciso pensar na “causa” do teatro também de forma objetiva, realista, e, assim, criar coragem para questionar e quebrar paradigmas, superar preconceitos.

No espetáculo de inauguração do IBT, atores consagrados como Noemi Marinho e Norival Rizzo – que também abraçaram essa causa –, integram o elenco (junto a Elisa Volpatto, Johnnas Oliva, Mayara Constantino e Rafael Pimenta), para encenar a peça Diabinho e outras peças curtas, de Caryl Churchill, dirigida por Guto Portugal.

Confira a nossa conversa a seguir:De onde surgiu a inquietação para criar o IBT?
Elisa Volpatto: Veio de um grupo de amigos [Guto Portugal, Elisa Volpatto, Oliver Tibeau, Samya Pascotto e José Aragão] com a vontade de pensar em alternativas com a finalidade de viabilizar o teatro brasileiro – fugindo um pouco da lógica dos editais públicos. Existem tantos artistas querendo produzir teatro, mas, às vezes, acabamos colocando dinheiro dos nossos próprios bolsos para isso. Pensamos: “Puxa, tem uma lei que é feita para isso, que vem da iniciativa privada, em que o indivíduo desloca o dinheiro, que iria para o imposto que ela já pagaria, para investir em cultura. Por que a gente não usa melhor a Lei Rouanet?” A Lei Rouanet é elogiadíssima em muitos lugares do mundo, não existe outra Lei como essa. A questão é que falta diálogo dos artistas com a iniciativa privada; a gente não está sabendo conversar.

Por isso, o IBT é formado por quatro artistas e um membro do meio empresarial corporativo, para fazer essa ponte da melhor forma, de modo objetivo. Às vezes, quando vamos vender os nossos projetos, acabamos falando muito mais da nossa paixão em fazer aquilo. Mas a empresa, na realidade, não está interessada nisso; ela quer saber como atingir os clientes dela. Então, pensamos e chegamos no Instituto. Nossa ideia é nos associarmos a vários artistas e grupos. E, a partir de ingressos com preços populares, alcançar também o público. Não sei se tudo isso é uma utopia, uma loucura, mas as utopias nos fazem caminhar.

Como acabar com o preconceito que existe sobre a Lei Rouanet?
Guto Portugal: A questão é que muitas pessoas ainda não entendem o valor que a Lei tem. Um dos objetivos do IBT é, justamente, discutir esse valor e o poder que essa ferramenta nos proporciona enquanto sociedade. Precisamos ensinar para a iniciativa privada como eles farão o Imposto de Renda, por exemplo, o processo burocrático, administrativo, financeiro. E, como a Elisa [Volpatto] falou, vai funcionar como uma associação de membros. Todo mundo vai poder inscrever projetos – grandes e pequenos. Pensamos muito em como criar o necessário diálogo, também, entre os integrantes da comunidade artística. Nós estamos plantando apenas a semente, mas a ideia é abrir cada vez mais esse diálogo.

EV: À medida em que estamos fazendo, estamos entendendo qual o melhor jeito dessa estrutura funcionar. Está muito no começo, mas temos que começar de alguma maneira.

GP: O mar não abre e depois atravessamos. Primeiro vamos e depois ele abre!

Será uma nova forma da classe artística se articular?
Nomi Marinho: Classe mesmo, hoje, qual é? Como indivíduos, enquanto artistas, tenho a impressão de que não pertencemos a uma classe. Isso é algo abstrato. A gente tem muita intimidade, trocamos muito durante o trabalho. Principalmente, antes do trabalho, de fato, entrar no mercado, que é o momento dos ensaios. Cria-se essa intimidade artística, afetiva, emocional, física. E, depois, isso vai se desmanchando… eu já sei que vou me distanciar. Tudo isso para dizer que, esse sentido de classe precisa ser recuperado! Não sei como, mas estamos todos preocupados com isso.

Noemi, você, atriz com vasta experiência, como vê as iniciativas das novas gerações em relação ao teatro?
NM: Morrer, a gente não morre. Isto posto, nós estamos sempre tentando. Lembro que quando entrei na EAD (Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo), falavam: “O teatro morreu”. Aí eu pensava: “Puxa, mas bem na minha vez?”. E cá estamos. Mesmo tendo ouvido isso muitas vezes ao longo da carreira, nós sempre acabamos nos agarrando em alguma esperança. Agora, falta organização. A gente não consegue se organizar como classe; não conseguimos nos organizar nem mesmo como povo. A questão é profunda, grave.

Estamos na resistência, mais do que imprimindo novos ritmos. Não sei nem se, no fundo, na verdade, as coisas devem ser assim e ponto. Todas as iniciativas são sempre muito bem acolhidas, cada uma com suas especificidades. A particularidade desta (o IBT) é que tem a parte empresarial junto. Pois, a realidade, é que não sabemos fazer negócio, fechar um cachê. Inclusive, não são poucas as vezes em que pensamos: “ah, vai ter cachê?”. Ué, só porque somos artistas? Nós temos uma ânsia em fazer, mas não pode ser assim. Precisamos também valorizar nosso trabalho.

Falando da peça em si, teve alguma razão especial na escolha dos textos da autora Caryl Churchill para inaugurar o IBT?
GP: A vontade de montar estes textos surge, na verdade, antes do Instituto. Tudo foi acontecendo de forma paralela. Primeiro, surgiu a vontade de montar a peça e, enquanto fomos tentar captar o dinheiro para produzir a montagem, pensamos que não deveríamos parar ali. A gente sentiu que deveria continuar a fazer essa roda girar, para outros projetos. Li essa peça, a primeira vez, em 2019 e, depois, não consegui mais parar de olhar para ela. Li muitas vezes.

Então, juntei o grupo e disse que era preciso montar, pois fala-se, justamente, do Brasil de hoje, do mundo de forma geral. A Caryl Churchill – sou fascinado em dramaturgia contemporânea – é uma referência. Ela meche muito com a forma. Isto é, se você olhar para a página do texto dela, não necessariamente vai ter personagem, há rubricas dizendo o que a direção não deve fazer, e coisas assim. E essas quatro peças curtas abordam temas muito chocantes, viscerais, a banalidade do mal, ela questiona nossas crenças. Então escrevi uma carta à Caryl, pedindo os direitos autorais e ela cedeu!

EV: Foi aí que pensamos: “Agora precisamos fazer!”.

Quando a Noemi e o Norival Rizzo entraram no processo de realização desse espetáculo?
EV: A Noemi é uma mulher de teatro. É incrível a trajetória dela. Além disso, todas as peças das quais você vai conversar com ela, ela já viu! É impressionante. Você vai ao teatro e a encontra, na fila, esperando para comprar o ingresso. Então, acaba tendo uma carga simbólica ter artistas como eles nesse projeto. Significativo estarem neste início do IBT, não por acaso. Quando estamos com eles nas salas de ensaio, não estamos apenas aprendendo os jogos de cena, mas, também, a história do teatro brasileiro.

GP: Fico muito feliz que eles tenham topado participar deste projeto.

NM: Eu também! Está sendo muito fresco: é uma dramaturga velha, com uma atriz velha, mas o espetáculo é muito novo. O processo dramatúrgico é muito interessante. É como se você falasse do homem antes do homem. Ou seja, é o núcleo inicial do teatro e, ao mesmo tempo, é contemporâneo – tanto na forma como no conteúdo.

Noemi, como é estar em cena, mais uma vez, com Norival Rizzo?
NM: Nossa… nós fomos da mesma turma da EAD. Já são muitos anos de parceria nos palcos. O nosso tempo de convivência é mais velho do que o integrante mais velho do nosso elenco! Ou seja, eles não tinham nascido e eu e o Norival já estávamos brincando disso. Enfim, está sendo animador ir para o teatro, pois percebi que pode ser novo de novo. E isso não é uma crença minha, é um fato.

Diabinho e outras peças curtas
De 15 de abril a 7 de junho
Teatro do MASP – Av. Paulista 1578 – Bela Vista
Sextas e sábados às 20h30 e domingos às 19h
Ingressos: 1kg de alimento não perecível

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz, criadora do Infoteatro e colaboradora de Cultura da Vogue Brasil, tendo escrito mais de 50 textos até então. Formada em Direito pela PUC-SP (2020), começou a estudar teatro aos 10 anos de idade, formando-se como atriz em 2017. Estudou, de 2017 a 2021, com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos do grupo: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”. Foi assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. A partir da criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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