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Foto: Valvula NEW
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‘Petshop, o Musicão’ impressiona pela farta galeria de bons personagens

Espetáculo divertido segue passo a passo a cartilha de como encenar um musical, reunindo equipe talentosa que brilha em cada item da produção

Crítica Por Dib Carneiro Neto

O gênero literário chamado fábula, como nos ensinam, é um texto narrativo em que animais são personificados – e, portanto, falam. É claro que, por causa disso, as fábulas foram parar – desde sempre – nos palcos de teatro infantojuvenil. Um casamento perfeito. Fábula e teatro. Matrimônio que nunca terá fim. Sendo assim, ficou bem comum ver peças com cachorros falantes aprontando todas. Já vi inúmeras. Em 2022, por exemplo, fiquei encantado com Mundo Cão, texto de Willians Mezzacapa, que se passava dentro de um hotelzinho para cães durante um feriado de réveillon.  Agora, também em São Paulo, surge a fábula musical PetShop, o Musicão, em cartaz no Teatro Bravos, em Pinheiros. Sabe quando a gente vai ao teatro, depois de anos e anos de experiência, já esperando ver apenas  “mais do mesmo”? Pois quebrei a cara – e adoro quando isso acontece. O espetáculo é competente, surpreendente, eficiente. Mas só empilhando adjetivos com terminações semelhantes (perdão, foi irresistível!) não darei conta  de qualificar a atração. Vamos aos comentários críticos.

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O grande acerto, a meu ver, se chama Vitor Rocha, o dramaturgo da peça, que, inclusive, escreveu as letras das canções. Que belo trabalho. Todas as canções são muito boas, casadas com talento às melodias do maestro Fabio G. Oliveira e Vitória Maldonado. Juntas, elas formam uma aula de como a música de um espetáculo pode ser prazerosa, mesmo com a missão objetiva de ajudar a construir sua narrativa, complementar as ações,  apresentar personagens e situações. A primeira canção, por exemplo, situa a trama em seu local de ação (o petshop), depois temos a canção do protagonista com refrão contagiante, depois a do vilão frustrado por ter envelhecido, depois a canção com mensagem (“tudo fica melhor se você cantar uma canção”) e assim por diante. Uma cartilha passo a passo de como compor para musicais – mas deliciosa de se ouvir. De quebra, os compositores passearam bem à vontade por diversos gêneros: jazz, samba, reggae, tango…

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Pausa para parênteses. (Na sessão em que estive, 24 de março, domingo, parecia que havia uma espécie de claque entrosada, no final da plateia, com gritinhos histéricos e puxando palminhas cadenciadas a cada canção, como se teatro fosse programa de auditório, mas, enfim, isso deve acontecer sempre ali, porque esse comportamento de plateia infelizmente ficou frequente e inevitável. Muitas vezes os pais e as mães – e até pessoas das próprias equipes – puxam essas palminhas ritmadas, como se fossem ajudar a ‘empolgar’ a plateia mirim, como se teatro de censura livre precisasse dessa participação – nada espontânea – das crianças durante as músicas. Pena.) Fechando parênteses.

O importante, ainda falando de texto, é que Vitor Rocha soube dar ritmo à história que está contando, à fábula que criou, idealizada e produzida por Julianne Daud e o maestro Oliveira. Claro, ele não teve pudores (e não deveria mesmo ter) em brincar com trocadilhos do universo canino. Spotify virou Spetfy, YouTube virou AuauTube. E deita e rola com expressões como ‘Santo Mordedor!”. E os vilões literalmente colocam o rabo entre as pernas. E as referências a Caetano VelOsso! Fica divertido, principalmente para adultos. Poderia ser excessivo? Sim, sempre há esse risco. Mas Rocha soube usar o recurso humorístico na medida certa.

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A direção artística de Fernanda Chamma privilegiou, ao que me parece, a linguagem de desenho animado e esse é outro grande trunfo do espetáculo, um desafio prontamente aceito pela cenografia ágil de Marco Lima (solução incrível para alternar dois ambientes, o interno da loja de animais pets e o externo de um ferro velho), assim como pelos figurinos brincalhões de alfaiataria vintage (nada infantilóides) de Theodoro Cochrane e pela sonoplastia de Tocko Micheelazo, com todos aqueles efeitos sonoros deliciosos, que a gente cresceu ouvindo nos desenhos da TV. A dramaturgia também embarcou nessa, ao escolher incluir na trama uma trapalhona dupla de “chefão e seu capanga”, tão típicos de desenho animado. Adriano Tunes (Ferrugem) e Vinicius Loyola (Dibruço) estão muito bem fazendo esse duo de ‘quase’ vilões tão necessários para o andamento da trama.

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A variedade de personagens, aliás, é encantadora e bem inteligente. Cada qual com sua característica, seus trejeitos, suas manias. Além dos dois velhacos, estão divertidíssimos, por exemplo, a diva Fedora (Giovana Zotti), ou a tímida Lola (Isabella Oya), o apaixonado policial Caláf (Willian Sancar), o ansioso coelho Peixoto (Rodrigo Spinosa) ou o falastrão Polyvox (Pedro Meireles), que só se comunica usando frases famosas do cinema, como “Ao infinito e além” ou “Meu nome é Bond” ou “Meu precioso!”.

O casal de protagonistas também está “literalmente animal” – Luiza Porto, como a narradora M.C., uma chihuahua de pelos curtos, que coordena a petshop com pulso firme, mas pouca elasticidade,  e Arthur Berges, como o libertário vira-latas caramelo Mussarela, aquele que todo mundo diz o tempo todo que “tem nome de queijo, não de cachorro”. Impossível não notar que Berges teve aqui uma deliciosa chance de repetir um pouco, no mundo canino, o seu tão bem-sucedido professor Dewey Finn, de Escola do Rock. Exatamente como o personagem do outro musical, ele fará um bando de “pupilos”, agora do reino animal, virar um belo grupo que canta e toca, ensinando a todos que se pode ser quem a gente é e fazer disso um talento – a mesma ‘mensagem’ do outro musical. E como o ator se sai bem nisso mais uma vez! Senti falta de ver pronto o número do coral da Petshop, que eles ensaiam para um concurso – como em Escola do Rock. Mas, pensando bem, aí ficaria parecido demais. A homenagem-referência ficou no tamanho certo – assim como foi bacana ver também uma referência curta a Cats, com um trecho de Memory . Impossível não citar o acertado visagismo do personagem Mussarela, na maquiagem assinada por Anderson Bueno. Berges ganha uma cara nada óbvia de cão. Criatividade a toda prova do visagista.

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Por fim, o fim. O blecaute final vem súbito, após uma curta fala de Berges, e isso frustra um pouco. Mas, antes, foi boa a decisão de trazer Luiza Porto mais uma vez para a boca de cena e fazer essa marcante mestra de cerimônia nos contar tudo o que acontecerá no futuro com os personagens, um a um. Isso é infalível, sobretudo em peça com tantos personagens bons. A gente quer mesmo saber o destino de todos. Parabéns, Musicão. Não há dúvida de que vocês todos sabem fazer um musical.

Nota: As informações e opiniões contidas neste artigo são de inteira responsabilidade de seu/sua autor(a), cujo texto não reflete, necessariamente, a opinião do INFOTEATRO.

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Dib Carneiro Neto

Dib Carneiro Neto

Jornalista, dramaturgo e crítico teatral. Começou a escrever críticas sobre teatro infantil em 1990, na revista Veja São Paulo. Foi editor-chefe do caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo (2003 a 2011). Atualmente, edita o site e canal do youtube Pecinha É a Vovozinha, que ganhou o Prêmio Governador do Estado em 2018, na categoria Artes para Crianças, além de menção honrosa no Prêmio Cbtij. Por sua peça Salmo 91, ganhou o Prêmio Shell de dramaturgo em 2008. Em 2018, ganhou o Jabuti pelo livro Imaginai! O Teatro de Gabriel Villela.

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