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Vera Holtz: “Vivemos em um tempo muito vibrante para a criação”

Coluna Por Natália Beukers

Natural de Tatuí, no interior paulista, Vera Holtz (@veraholtz) é uma atriz de trajetória inspiradora. Com mais de 45 anos de carreira, são inúmeros trabalhos no teatro, cinema e televisão. Em conversa verdadeiramente contagiante, a atriz falou sobre a peça Sonhos Para Vestir – projeto idealizado pela atriz Sara Antunes – cuja montagem está sob sua direção.

peça, a partir da relação de Sara com o pai, é um delírio poético! Isto é, a partir de uma história real, pela perspectiva de cartas trocadas entre pai e filha, a peça reflete sobre os desejos mais íntimos e sobre o afeto. Olha só:

Como foi o processo de Sonhos Para Vestir?
A Sara [Antunes] já estava em processo… ela viu uma exposição da Analu Prestes (atriz e artista plástica), Memórias Para se Vestir. A partir daí, Sara começou a trazer todas essas informações para o projeto. Eu já conhecia a Analu, então a Sara me chamou, para começar o trabalho com elas.

Como é estar na direção do projeto?
É um outro ponto de vista. Porque quando você está ali no palco, como ator, é quase um processo individual. Você tem que estudar todas as questões da personagem. Mas quando você vai para a direção, você fica com a visão muito mais abrangente da obra. E tem que tomar conta de tudo. É uma orquestração, em que o diretor é quase um maestro. Você precisa fazer com que tudo aquilo seja equalizado e atinja a sua função. Por que que você quer fazer aquela peça? Para quem você quer falar? Então a direção é totalmente diferente. Quem me estimulou muito para isso foi o Guilherme [Leme]. Ele me provocou para fazer O Estrangeiro, do [Albert] Camus (em 2010). Fiquei junto com ele na direção daquele espetáculo.

Eu sou de uma geração da especialização. Não é como hoje, um tempo em que se permite mais… Hoje todo mundo se apresenta de uma forma muito mais abrangente. Mas na minha época, não. Se eu sou atriz, eu sou atriz. Como eu vou ser diretora se eu sou atriz? Então era difícil passar por essa interseção entre as funções. E eu sou formada em artes plásticas… A minha vida sempre foi muito dedicada à arte. Atualmente, está muito legal nesse sentido, porque tudo é mais permitido. Eu acho que nós somos múltiplos, não precisa rotular ninguém. Temos uma multiplicidade de pontos de vistas sobre as coisas. E, ainda, multiplicidade de identidades… eu acredito nisso.

A peça ‘Sonhos Para Vestir’ (Foto: Divulgação)

O que representa, para você, fazer a peça Sonhos Para Vestir neste momento?
O pai da Sara faleceu em 2007. E a relação dela com o pai era mágica. Ele tinha essa relação com a poesia, era um humanista. Então quando o pai fez a passagem, ou no que você acreditar, Sara ficou de luto. Porque ele se ausenta do que ele mais trazia para ela, que era a palavra. Então, através dessa palavra, ela se reconecta com o pai. Assim ela escreveu o texto da peça, sempre mantendo essa conexão com o pai através da palavra. Então esse luto, que é um tempo de suspensão, em que você ainda fica próximo de alguém que você não vai ver mais… são camadas novas que você vai colocando na sua vida a cada perda.

Conheci a Sara ainda solteira. E nesses anos todos ela teve dois filhos, já não é mais a mesma Sara. É a mãe, a mãe que recebia aquelas palavras do seu pai. Então eu falei para ela trazer seus filhos para a montagem, para acontecer essa ciranda da vida: do pai que se foi, da filha que vira mãe, que segue… e as crianças entram em cena nessa gravação. Eles entram, também, através da palavra. O processo não tem finitude, o processo é contínuo, você não tem por que acabar alguma coisa, continue… estamos sempre em processo.  É um processo de muito afeto, delicado… é feminino. É feminino no olhar. É um processo feito ponto a ponto. Tem uma série de coisas que te levam para o lugar do sonho, da filosofia, da poesia, da música – que está presente o tempo inteiro.

E, mesmo no sofrimento e na dor, a arte não para. O artista, o criador, ele não para. Ele encontra poesia no dia a dia. Eu acho que a arte está em todos os lugares. Você acorda fazendo arte, se você quiser. Quando você arruma a sua mesa, faz a sua comida, tem arte em fazer tudo isso. Eu acho que você pode transformar o seu dia a dia, mesmo com os limites que nós temos… e nós vimos isso acontecer agora. A quantidade de lives, de pessoas, com o dom da palavra, o dom da audição… ouvindo relatos, ouvindo conversas. Pessoas novas que você passa a admirar… foi um período de muita produção. O ser humano é mágico, é surpreendente… realmente, devagar a gente se adapta a tudo, como diz o Beckett (Samuel Beckett, autor irlandês).

Vera Holtz (Foto: Reprodução/Instagram)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como você vê o teatro no cenário atual?
Quem gosta de teatro, gosta de teatro. Quem gosta de assistir teatro presencialmente, gosta disso. Eu fui a um musical agora, do Miguel Falabella, e as pessoas estavam numa alegria… eufóricas! Bem-vestidas, perfumadas, alegres… as pessoas estavam felizes de se reconectarem, de poderem estar ali. Acredito que o teatro é muito forte. É uma arte muito forte, muito presente no ocidente. O Abujamra [Antônio Abujamra] sempre falava isso: “cuidado com os pensamentos mais domésticos. Tenha sempre uma visão universal”. Vá para o maior, para o universal, e vê de outra forma. Mesmo em um momento enclausurado, saiam de suas janelas e olhem ao redor. Ampliar essa lente…

Hoje tudo é múltiplo! Mesmo nas redes sociais… existe o comentário, existe uma atitude diante daquilo. Não estou nem discutindo o “gosto”, “não gosto”, o valor, estou discutindo a atitude. Então acho que tem que ter essa multiplicidade da vida. Eu sou muito otimista, então… eu acho que tudo vai continuar. De outra forma. Inclusive, quantas coisas novas surgiram. Assistimos tanta coisa… então é isso, eu sou bastante otimista quanto à vida, e quanto à arte; eu acho que ela é muito corajosa, e muito forte na vida da gente. O pessimismo não combina com a arte. Você pode até falar do pessimismo, mas a criação passa por outros canais – nos deixa vivos.

E os jovens atores?
Na minha época, quando falavam do palco, do tablado, das tábuas do teatro, todo esse sistema de crenças de que você tem que ter a prática diária, não tinham tantas escolas de teatro. Na época, uma companhia passava o conhecimento para a outra. Então, hoje, nós temos muita metodologia para estudar, para você aprender a fazer teatro, para estudar teatro.

Então tem muita coisa, informação disponível. Tem que saber selecionar, e vai aprendendo, não tem jeito. A quantidade de grupos fazendo pesquisa, discutindo a linguagem teatral…, mas é saber selecionar: o que que eu quero? É a pergunta que eu sempre faço. A que? Para que? Por quê? E cada época é de um jeito… teve uma época em que você tinha uma prática de palco todos os dias… hoje em dia, há uma quantidade de espaços enorme para você fazer a sua arte. Inclusive, online… então o ator é outro ator hoje. É um ator que inventa, que escreve sua própria obra. O ponto de vista do ator de hoje é outro.

O que você aprendeu de mais importante com o teatro?
O teatro… eu acho que o teatro é uma arte coletiva. Então, acho que é essa vivência com o coletivo, com o outro. Ainda mais nessa época em que queremos eliminar o outro, acabar com o outro. Eu acho que o teatro ensina isso: a gente precisa sempre do outro. Desse convívio com o outro, do olhar do outro, do afeto do outro. E o teatro é o melhor lugar para você entender que isso tem que ser presente na nossa vida.

Não posso deixar de falar sobre sua página no Instagram, incrível…
Eu estou estudando o Instagram ainda, para mim, é um heterônimo. É uma criação mesmo… Vivemos em um tempo muito vibrante para a criação.

Espetáculo digital Sonhos Para Vestir
Dia 15 de outubro, sexta-feira, às 20h15
Centro Cultural São Paulo – Mostra Quando o Palco se Fez Cinema

Temporada on-line
De 16 de outubro a 7 de novembro
Sábados e domingos, às 20h.
Sympla.com.br

 

Este texto foi, originalmente, publicado no site da revista Vogue Brasil, dentro do segmento ‘Gente’. Para acessar a publicação original, clique aqui.

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Sobre
Natália Beukers

Natália Beukers

Atriz, criadora do Infoteatro e colaboradora de Cultura da Vogue Brasil, tendo escrito mais de 50 textos até então. Formada em Direito pela PUC-SP (2020), começou a estudar teatro aos 10 anos de idade, formando-se como atriz em 2017. Estudou, de 2017 a 2021, com os atores do Grupo TAPA, participando de três espetáculos do grupo: “Anatol”, “O Jardim das Cerejeiras” e “Um Chá das Cinco”. Foi assistente de produção em mais de 10 temporadas da companhia. A partir da criação do Infoteatro, em abril de 2020, entrevistou mais de 100 profissionais da área teatral.

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