Bruno Perillo dirige tragédia carioca escrita por Nelson Rodrigues em 1960.
Um dos maiores legados do teatro rodrigueano, O Beijo no Asfalto ganha nova temporada na capital paulista. Com direção de Bruno Perillo, a peça ocupa o palco de um dos cartões postais de São Paulo, o Edifício Itália, onde está instalado o Teatro Itália Bandeirantes.
Embora escrita em um Rio de Janeiro de 60 anos atrás, a peça ressurge mais atual do que nunca. Nelson Rodrigues expõe, de modo único, o terror que se alastra por uma sociedade diante de um singelo fato. Dois homens se beijaram na boca, em plena Praça da Bandeira. A beleza do gesto e o horror da sociedade diante dele se chocam, criando uma peça tão explosiva e cruel quanto poética e profunda.
Essa montagem, dirigida por Bruno Perillo, estreou em outubro de 2019, no Sesc Santo André, e depois seguiu em temporada no espaço Núcleo Experimental. A ideia é, a partir do texto – já tantas vezes revisitado por inúmeros artistas – realizar uma radiografia da dramaturgia, investigando as raízes dos acontecimentos que se abatem sobre os personagens e as suas questões num Brasil atual.
Arandir catalisa em si tudo o que resta de vida humana, em seu sentido simbólico mais poético e fraterno possível. É após um beijo na boca em um homem atropelado e prestes a morrer que o protagonista passa de mera testemunha de um acidente a acusado de um crime.
O texto ágil, potente e fracionado, é ação. A ação, por sua vez, é diálogo. Tudo principia em decorrência do tal beijo dado em plena rua, diante de muitas testemunhas e centenas de transeuntes. “Não há, por assim dizer, necessidade alguma de se estabelecer no palco qualquer espécie de formalização cenográfica real. Pelo contrário, trabalhamos no sentido de conceber um campo simbólico para todo o desenrolar da trama, como se tudo ocorresse num espaço público, mesmo quando privado”, conta Bruno Perillo.
O Beijo no Asfalto talvez seja o maior legado do teatro rodrigueano ao poder do mundo midiático e todos os seus ilimitados desdobramentos, sua relação com o homem, suas consequências, sua moral, sua ética.
A notícia de que um homem beijou outro homem na boca, no meio da rua, no centro da grande cidade, é o suficiente para servir de célula para disseminar uma tragédia.
“Nossa busca, enquanto artistas e cidadãos, é a tentativa de reverter a cegueira cotidiana, rígida e impermeável (que nos faz sucumbir ao aniquilamento da poesia, do amor) e propor outros olhares possíveis para aquilo que nos cerca. Em que momento passamos a ser regidos pelas notícias e opiniões ao redor? Em que lugar ficou a nossa capacidade de reflexão e discernimento, de empatia e sensibilidade?”, levanta Bruno.
O personagem Amado Ribeiro, o repórter, por sua vez, é o grande catalisador da tragédia. Ele é o rei das manchetes, o homem que domina o talento mais cafajeste numa sociedade. É imprescindível que se veja no palco esta figura de um jeito cru, no que ele tem de mais nocivo e sórdido; e não da maneira em que costumeiramente vemos os canalhas, “maquiados”.
O nosso mundo só lê manchetes. As manchetes são basicamente aquilo que o nosso mundo é, no aqui e no agora do hoje. Todas as redes ditas sociais são gigantes canalizadores e reprodutores de manchetes e/ou “notícias”, e das mais infinitas opiniões, e junto a isso, enxurradas de fake news.
Ficha técnica:
Texto – Nelson Rodrigues
Direção – Bruno Perillo
Elenco:
Anderson Negreiro – Arandir
Angela Ribeiro – D. Matilde, D. Judith e viúva
Carolina Haddad – Dália
Gustavo Trestini – Aprígio
Heitor Goldflus – Cunha
Iuri Saraiva – Amado Ribeiro
Lucas Frizo – Pimentel, Comissário Barros e vizinho
Rita Pisano – Selminha
Valdir Rivaben – Aruba e Werneck
Assistente de Direção – Fábio Mráz
Cenografia – Marisa Bentivegna
Figurino – Anne Cerutti
Iluminação – Aline Santini
Trilha Sonora – Dr. Morris
Fotos – Kim Leekyung
Produção Executiva – Corpo Rastreado